quarta-feira, 25 de abril de 2007

Roteiro cinematográfico, elementos fundamentais


Há apenas 3 elementos fundamentais do roteiro:
Cabeçalho da cena - Deve conter Int. ou Ext., localidade e tempo.
Descrição visual - Somente o que você VÊ E OUVE quando está assistindo ao filme.
Diálogos - As falas e pensamentos dos personagens

CABEÇALHO DA CENA
O cabeçalho da cena nos diz onde e quando a cena está acontecendo. Simplesmente, há apenas dois locais onde isso pode acontecer: dentro (INT.) ou fora (EXT.). E os tempos possíveis são diversos: você pode simplesmente indicar noite, dia, manhã, etc. ou indicar a hora exata do acontecimento. Se necessário, pode-se dar uma especificação maior tanto do local como do tempo.
Exemplos de cabeçalho de cena:
EXT. CENTRO DE SÃO PAULO - NOITE
EXT. CENTRO DE SÃO PAULO - AVENIDA PAULISTA - NOITE
INT. CASA DE ANDRÉ - DIA
INT. CASA DE ANDRÉ - SALA - HORAS DEPOIS

DESCRIÇÃO VISUAL
Também conhecida como ação, a descrição visual é aquilo que está se vendo na tela e nada mais, exceto se necessário, indicações de sons. Uma falha comum nos roteiros é indicar aquilo que não se passa na tela.
Exemplo:
Pedro, da vitrine, olha para o carro que sonha possuir desde criança.
O trecho "que sonha possuir desde criança", não é uma indicação visual, mesmo que Pedro demonstre isso com sua expressão facial.
O modo correto seria:
Pedro, da vitrine, olha para um carro no interior da loja.
Ou se quisesse deixar claro a admiração de Pedro pelo carro:
Pedro, da vitrine, com os olhos brilhando, olha encantado para um carro no interior da loja.
Na descrição da cena, não exagere nos adjetivos e nos detalhes, seja o mais conciso e claro possível. Filmes de ficção-científica e de fantasia geralmente exigem mais descrições do que uma comédia, por exemplo.

DIÁLOGO
Diálogo é um elemento difícil da roteirizarão, tanto que houve (na Europa principalmente) o dialoguista, que tinha como única tarefa escrever os diálogos. Há vários tipos de diálogo. Cabe ao roteirista ou o dialoguista saber que tipo de diálog se encaixa melhor ao roteiro. O roteiro de gangster do filme Os Bons Companheiros de Martin Scorsese, por exemplo, usa diálogos realistas, isto é, tenta imitar como as pessoas falam na vida real. Enquanto o Poderoso Chefão (escrito por Coppola e Puzzo) tem um diálogo mais direto que enfatiza sobre tudo a fácil compreensão.
Dependendo do universo da história e seus personagens, um mesmo diálogo pode ser dito de diversas maneiras. Como exemplo, vou citar aquele celebre fala de E O Vento Levou...
"PARA SER FRANCO MINHA CARA, ESTOU DANDO A MÍNIMA!"
Imaginem se esse mesmo diálogo fosse dito por um traficante carioca na época atual:
"QUER SABER? ESTOU CAGANDO PRA ISSO!"
Ou se o roteirista preferir escrever o diálogo com os vícios de linguagem, imperfeições e etc, o diálogo poderia ficar assim.
"QUÉ SABÊ? TÔ CAGANDO PRA ISSO!"
Para fazer do diálogo realista, é obviamente permitido escrever de modo errado como o personagem falaria. O diálogo realista não está apenas no vocabulário, mas também em hesitações, gaguejos, cacofonias, interrupções de pensamento, etc.
No roteiro, o diálogo é escrito no centro da folha, com as margens mais estreitas e o nome do personagem todo em MAIÚSCULO. Para maiores informações consulte o guia de formatação Master Scenes contido neste mesmo site.
Protagonista, Antagonista e conflito
A maioria das histórias, nos filmes, gira em torno de um personagem central: o protagonista. Mesmo nas histórias com muitos personagens, e com estrutura diferente, cada sub-enredo dentro da história principal tem seu protagonista. Na circunstância dramática básica de "alguém quer alguma coisa desesperadamente e está tendo dificuldade em obtê-la", o "alguém" é o protagonista.
O antagonista da história é a força opositora, a "dificuldade" que resiste ativamente aos esforços do protagonista para alcançar sua meta. Essas duas forças opostas formam o conflito ou os conflitos da história.
Em muitas, o antagonista é uma outra pessoa, o "bandido". Desde Intriga Internacional, passando por Guerra nas Estrelas e Chinatown, até O Exterminador do Futuro, são vários os filmes em que protagonista e antagonista são, clara e distintamente, pessoas diferentes em oposição ativa uma â outra. Nesse tipo de história, o protagonista tem o que se chama de um conflito externo, um conflito com outrem. Mas, em muitos outros filmes, o protagonista é seu próprio antagonista também; a grande batalha é travada dentro do personagem principal, entre dois lados, desejos ou necessidades da mesma pessoa. Entre os casos mais nítidos de conflito interno podemos citar Hamlet e O Médico e o Monstro, mas também há vários exemplos em filme: O Tesouro de Sierra Madre, Uma Rajada de Balas, Um Corpo que Cai e Touro Indomável. Nestes e em muitos outros filmes, o principal conflito da história se dá dentro do personagem central.
Apesar de haver um conflito interno em que protagonista e antagonista são uma mesma pessoa, em geral também existe oposição externa. E, na maioria das histórias bem-feitas sobre um conflito externo, também há um elemento de conflito interno no personagem principal. Boa parte do tempo, as duas coisas se equilibram, mas o conflito predominante, numa história, ou é interno ou é externo. Em Casablanca, a batalha de Rick é interna - envolver-se ou ficar de fora -, entretanto temos o coronel Strasser como manifestação muito real da pressão para que tome uma posição. Em Golpe de Mestre, o protagonista, Johnny Hooker, interpretado por Robert Redford, quer se vingar do homem responsável pela morte do amigo e mentor. Aquele homem é o antagonista e o conflito é externo, entretanto ainda assim temos uma batalha acontecendo no interior do personagem de Redford: será que ele está à altura da tarefa de vingar-se? Em quem poderá confiar? Em Tubarão, o xerife Brody é o protagonista e o tubarão é o antagonista, e aí temos o conflito externo, entretanto Brody tem seus próprios conflitos internos para superar: o medo de água, o desejo de não lutar com o tubarão, de comprar um barco maior. Em Uma Rajada de Balas, o conflito maior se trava no interior de Clyde, com seus próprios impulsos autodestrutivos, entretanto temos o xerife no encalço dele e da gangue como manifestação externa de seu conflito interior.
Um conflito interno, numa história com antagonista externo, ajuda o protagonista a se tornar um ser humano mais complexo e interessante. Uma fonte de conflito externo, numa história onde o grande conflito é essencialmente interno, ajuda a tornar visíveis e palpáveis os dois lados do personagem; esse equilíbrio lhe dá "vida própria". Na verdade, este é o grande nó, o fundamental da roteirização: como mostrar ao público o que vai por dentro do personagem central - ou de qualquer personagem.

Texto extraído do livro Teoria e Prática do Roteiro, de Edward Mabley e David Howard

Tensão principal, culminância e resolução

Um roteiro típico contém uma série de culminâncias, resoluções menores, cena por cena, seqüência por seqüência, mas no texto abaixo, trataremos da tensão principal do segundo ato, de sua culminância e resolução.
Segundo as regras dos manuais de roteiro americanos, a tensão principal é o conflito exclusivo do segundo ato - Não tente encaixar isso em Rashomon de Kurosawa. Quando a tensão principal é resolvida, na culminância, cria-se uma nova tensão que se chama a tensão de terceiro ato. Em termo simplista, essa nova tensão pode ser descrita como "E agora, o que vai acontecer?", que leva diretamente, com desvios e reviravoltas à resolução de toda a história.
Isso ficará mais fácil de compreender com exemplo de um filme. Vou citar Guerra nas Estrelas, pois todo mundo já deve ter visto e ele segue muito bem todas essas regras americanas.
O primeiro ato de Guerra nas Estrelas vai até a parte Luke decide ajudar Bem Kenoby no resgate da princesa Leia. O segundo ato vai desta parte até o término do resgate da princesa Léia. E, por fim, o terceiro ato compreende o restante do filme, que é em sua maior parte a batalha da Estrela da Morte.
A tensão principal de Guerra nas Estrelas não é: "Será que Luke vai conseguir sair de seu planeta?" ou "Será que os rebeldes vencerão o Império Galáctico?", ou ainda "Será que Ben derrotará Vader?". Mas sim, a tensão principal, ou tensão do segundo ato, é "Será que os mocinhos conseguirão salvar a princesa Léia e a eles mesmo?".
A tensão principal deste filme começa a se estabelecer quando Luke encontra um holograma de Léia pedindo ajuda e o mostra a Ben Kenoby. Eles decidem ajudar Léia e levar informações essenciais para os rebeldes em Alderan. No meio do caminho, Alderan é destruído pela Estrela da Morte, e a nave de Luke e Ben é sugadas para dentro da Estrela da Morte, onde a princesa Léia está presa. Neste ponto é que termina de se estabelecer a tensão principal "Será que eles vão conseguir salvar Léia?" e, sem demorar muito, acrescenta-se "será que eles se salvarão" ?
A resolução se dá quando Han e Luke conseguem resgatar Léia e fogem da Estrela da Morte. Após isso, cria-se uma nova tensão (a do terceiro ato), que é "Será que os rebeldes conseguiram destruir a Estrela da Morte, uma arma que pode acabar com um planeta num único disparo?"
Como na grande maioria das aventuras americanas, os mocinhos vencem, a princesa Léia é resgatada e a Estrela da Morte é destruída e todo conflito da história termina.
Embora a tensão principal de um roteiro aponte na direção do conflito geral da história, ela não pergunta diretamente "o que vai acontecer na resolução final da história?". Em Guerra nas Estrelas, apesar da tensão principal ser "Será que os mocinhos salvarão Léia?", o espectador sabe que o maior problema é a Estrela da Morte. Essa preocupação é que dá origem ao terceiro ato e, observe, que a tensão principal não apontava para isso: "um duelo final entre os rebeldes e a estrela da morte" e, ainda por cima, essa preocupação foi estabelecida até mesmo antes da tensão principal.
Para o roteirista, é muito útil conhecer a tensão principal, a culminância e a resolução por que essas três coisas a determinar a pertinência e validade das várias cenas de uma história. Se a omissão de uma certa cena prejudicar ou alterar a tensão principal, a culminância ou a resolução, então a cena é essencial e deve ser mantida. Por outro lado, se o corte de uma determinada cena não fizer a menor diferença em algum desses pontos críticos, é que o roteirista a olhe com ceticismo.

A cena inicial

Qual será a cena de abertura de seu roteiro? Uma cena de ação, uma cena que mostra a vida cotidiana do personagem principal, uma imagem subjetiva, etc?. Seja qual for sua opção, a cena inicial não deve ser escolhida ao acaso. Ela deve ser planejada; deve estar num contexto maior de toda a história; deve estabelecer a história.
Se a cena inicial for de ação, que não seja à toa; vá direto ao ponto, como, por exemplo, em Guerra nas Estrelas que o roteirista George Lucas decidiu abrir o filme com uma fantástica perseguição de naves estrelares que resulta na captura da princesa Leia.
E se a cena inicial for tranqüila, que já revele algo sobre o universo da história ou sobre os personagens. Em O Gladiador o filme abre com uma mão passando sobre o trigo momentos antes de uma grande batalha, e isso nos diz que o personagem título, um grande guerreiro, fora antes um homem do campo. Chinatown, escrito por Robert Towne, começa apresentando o personagem principal, qual sua profissão, sua personalidade, e já planta uma semente que irá crescer no decorrer da história.
É mais fácil do que parece. Se sua história é sobre uma extraterrestre que é abandonado na Terra e depois conhece e faz amizades com crianças humanas, comece mostrando o extraterrestre sendo abandonado... depois mostre as crianças humanas em seus lares e, em seguida, mostre encontro dos dois. É assim que começa a história de E.T..
Suponhamos que você vai contar a história sobre uma família mafiosa, seu patriarca e seus filhos, que cena de abertura você usaria? Que tal abrir com uma festa de família, um casamento, por exemplo. E já na festa rola algumas trocas de favores, imprensa do lado de fora, FBI observando tudo a distância, etc, etc. É assim que Francis Ford Coppola e Mario Puzo decidiram abrir o Poderoso Chefão, parte I.
O melhor momento para colar a bunda do espectador na poltrona do cinema é, sem sombra de dúvida, o começo do filme. Então, capriche sua cena de abertura. Lembre-se que não é necessária uma espetacular cena de ação para capturar a atenção do público. Thelma e Louise e o Silêncio dos inocentes são exemplos disso. Um filme de ação e outro de suspense, respectivamente, que tem começos tranqüilos.

Exposição
Os fatos que não ficam evidentes ao espectador através do desenrolar dos acontecimentos na tela, mas dos quais precisa estar ciente, são tratados por um artifício chamado exposição. Pode ser fatos que aconteceram no passado, antes do desenvolvimento da história; podem ser sentimentos, desejos, deficiências do personagem; ou ainda características específicas do local onde se passa a história.
O problema da exposição é que ela só é necessária ao espectador. Não é uma coisa que os personagens precisem saber no decurso da trama, salvo rasas exceções. Por exemplo, um personagem tem medo de altura. Todos os colegas desse personagem sabem que ele tem esse medo. No dia a dia, no cotidiano da história, esse medo de personagem não será citado, mas o espectador precisa ter conhecimento disto. Permitir que esse personagem falasse a qualquer momento eu tenho medo de altura, soará por demais artificial. Em outras palavras, o conteúdo das exposições, na maioria das vezes, revela aquilo que os personagens já sabem, só que o espectador também precisa ser informado para vivenciar plenamente a história e as ações. O uso da exposição deve ser usado com condimento, pois é um artifício mais narrativo do que dramático.
Uma exposição bem feita não deve parecer o que de fato é, ou seja, o espectador não deve perceber que aquilo foi uma exposição. Ernest Lehman, roteirista que trabalhou em diversos filmes de Hitchcock, dizia - Não deve parecer o que é na realidade. Os modos mais fácil e usado de fazer uma exposição são através de um conflito ou humor.
O grande Billy Wider usou narrações em Off (voice over), feita pelo personagem principal, em Crepúsculo dos Deuses e Pacto de Sangue. A narração em Off corresponderia ao coro das peças gregas ou ao narrador de um romance literário.
Às vezes, é necessário expor ao espectador um certo conteúdo que pode tornar-se "chato". Em Chinatown (roteiro de Robert Towne), há uma cena em que o protagonista Jake tem que descobrir quem é o dono de um terreno que se acha no centro do mistério. Jake vai ao registro imobiliário procurar essas informações em um imenso livro. Uma cena que pela primeira impressão seria "chata", mas fundamental para o desenvolvimento da história. Quando Jake pede o livro ao funcionário, estabelece-se um um conflito entre sua necessidade de ver os registros e a má vontade do funcionário de atendê-lo. Finalmente Jake consegue o livro e pede uma régua emprestada. Esta régua foi um recurso para manter o espectador interessado na cena, pois não sabemos qual será sua utilidade. Jake usa a régua para cortar uma folha do livro de registros e espirra ao mesmo tempo para que o funcionário não perceba o que aconteceu. O espectador fica satisfeito com a cena e recebe todas as informações necessárias sem notar.
A exposição também pode ser feita pela ignorância do personagem a respeito de alguma coisa, como em Guerra nas Estrelas de George Lucas. O protagonista Luke Skywalker ouve o velho Ben Kenobi citar a respeito da Força (uma energia mística que envolve e penetra em tudo e todos). Como Luke desconhece o que é a Força, pergunta a Ben, que lhe explica sabiamente. É um modo menos sutil de apresentar uma exposição, que é válida somente quando há uma ignorância de um personagem a respeito de alguma coisa.
Seguindo as propostas do livro Teoria e Prática do Roteiro (David Howard e Edward Mabley) há quatro regras empíricas que deve se ter em mente ao lidar com a necessidade de uma exposição:
1. Elimine toda exposição que não for essencial ou que mais tarde, no decorrer da história, ficará clara.
2. Apresente a exposição considerada necessária em cena que contenham conflito e, se possível, humor.
3. Adie o uso do material expositivo sempre que for possível até um momento posterior da história e aí o transmita no momento de maior impacto dramático.
4. Use conta-gotas e não uma concha sempre que precisar apresentar a exposição necessária.
E eu incluo mais uma:
5. Considere o espectador com um ser inteligente, que percebe as coisas com facilidade. Portanto somente exponha o que o espectador jamais perceberá no decorrer da história.
Suponha que estamos vendo um homem caminhando até o seu carro estacionado diante do prédio onde mora. Não há nada de dramático nisso. Mas suponha que em algum momento anterior ficamos sabendo que há uma bomba no carro e, quando, ele dar ignição, irá explodir.
Quando nós, espectadores, sabemos de algo que o personagem na tela não sabe e essa informação pode causar risco ao sucesso do personagem, chamamos de ironia dramática.
Quando Romeu encontra Julieta aparentemente morta ao lado da tumba, nós sabemos que ela não está morta e experimentamos uma intensa sensação de esperança e medo no instante em que ele vai ingerir o veneno. Se nós, espectadores, estivéssemos pensando que ela está realmente morta, assim como Romeu pensa, a cena perderia toda sua dramaticidade.
Ironia dramática é um recurso usado em toda arte dramática. Pense na história de Édipo, por exemplo. Se não soubéssemos que o homem que Édipo matara era seu pai e a mulher com quem ele casara era sua mãe, quanta graça teria esses acontecimentos.
Muitas vezes o roteirista tem que escolher entre o artifício da ironia dramática e a
surpresa, ou seja, entre deixar que o público conheça o segredo e surpreendê-los
mais tarde, ou que um determinado acontecimento seja uma surpresa completa, algo inesperado para o público. Mas, acredito, que a ironia dramática é definitivamente um recurso muito mais forte e emocionante para o espectador que a surpresa total.
Você pode ler uma excelente comparação entre surpresa e ironia dramática elaborada pelo gordinho mestre do suspense no link Suspense e Surpresa.

Plausibilidade

O efeito dramático vem daquilo que é provável, não do que é possível. - Aristóteles.

Deus ex machina, uma expressão latina que significa "o deus que vem da máquina", é na verdade uma invenção grega. No teatro grego havia muitas peças que terminavam com um deus sendo literalmente baixado por um guindaste até o local da encenação. Esse deus então amarrava todas as pontas soltas da história. Hoje em dia, porém, o deus ex machina tem pouca serventia para o dramaturgo e menos ainda para o roteirista, já que não aceitamos mais a noção de um ser sobrenatural capaz de interceder pelos humanos. O dramaturgo grego podia desenroscar os fios emaranhados de sua trama introduzindo um deus para cuidar da ação, mas o dramaturgo moderno precisa ser mais engenhoso para resolver as complexidades do enredo.
Nós temos equivalentes modernos desse artifício, porém é preciso evitá-los. A chegada inesperada de alguém muito poderoso, um ataque cardíaco convenientemente situado, uma súbita herança - o escritor deve fugir de qualquer coisa que venha de fora das fronteiras da história para ajudar no desenlace. O espectador reconhece quando o trabalho é desleixado e não aceita uma resolução que não venha naturalmente das circunstâncias da história.
Quando Bonnie e Clyde caem na armadilha e tombam crivados de balas, no fim do filme, não se trata de deus ex machina porque a busca do xerife, humilhado anteriormente pelo casal, faz parte integrante da história. Quando George Bailey finalmente se modifica e fica feliz da vida de voltar para a família, no fim de A FELICIDADE NÃO SE COMPRA, ainda que um anjo tenha sido parte crucial da história não houve deus ex machina. Nesse caso, a mudança vem de dentro do próprio George e o anjo é parte integrante da história, não alguma coisa que foi enfiada no final, para solucionar tudo. Quando Evelyn morre baleada, no fim de CHINATOWN, trata-se da extensão inevitável da história toda, da natureza do personagem de Noah Cross e da impossibilidade de Jake mudar o destino de Evelyn. Mesmo em Uma Aventura na África, onde a mão de Deus parece sempre muito próxima, tanto durante a chuva, que faz o barco flutuar no lago, quanto no finalzinho, quando o barco afundado volta à tona, não estamos diante de deus ex machina. A fé, as orações, a idéia de que "Deus ajuda quem se ajuda", e a crença de Rosie tanto em Charlie quanto no próprio barco fazem parte integrante do desenvolvimento do enredo; são elementos que se concretizam no final, mas segundo os próprios desígnios da história.
Muitos filmes têm o que na superfície parece uma premissa ou circunstância inacreditável: fantasmas, carros voadores, transmissão de pensamento, criaturas imortais ou vindas de outro planeta - a lista é interminável. Essas coisas não existem no mundo em que vivemos, mas em geral dão excelentes enredos. Em qualquer história que contenha um elemento do inacreditável, ainda que todas as outras circunstâncias sejam realistas, há um momento crucial que o roteirista precisa criar. É o momento em que o espectador, por vontade própria, suspende a descrença; quando o espectador "compra o peixe" representado pela parte inacreditável para curtir a história que está sendo contada. Se o autor-roteirista não consegue cativar o espectador, não podendo fazer com que ele suspenda sua descrença para curtir a história, o filme vira uma grande bobagem para esse espectador.
Em qualquer bom filme do tipo - de KING KONG a GUERRA NAS ESTRELAS, DE VOLTA PARA O FUTURO a FRANKENSTEIN - a suspensão voluntária da descrença é cuidadosamente criada e alimentada pelo autor-roteirista. No nível mais simples, o método se resume a enfrentar de frente a descrença, em vez de tentar disfarçá-la. O público normalmente percebe o disfarce e se recusa a participar da história que está sendo contada. Em geral, o melhor é fazer com que um personagem principal -muitas vezes o protagonista, mas nem sempre - manifeste a descrença partilhada pelo espectador. À medida que esse personagem vai se convencendo da verdade da coisa inacreditável, o público acompanha. Em DE VOLTA PARA O FUTURO, de início o protagonista não acredita na máquina do tempo, mas depois da viagem acaba acreditando e nós, suspendendo a própria descrença, vamos no embalo até o final. Em King Kong, o macaco gigante já existe; resta apenas encontrá-lo. Mas há uma preparação cuidadosa para o momento da revelação do personagem-título e uma resistência considerável em acreditar nele por parte da tripulação, até que o monstro esteja diante de todos. Certas ocasiões, como em GUERRA NAS ESTRELAS, o inacreditável faz parte do cotidiano de nosso protagonista, de forma que não temos sua descrença para usar. Nesse caso, é preciso usar e trabalhar a experiência vital do próprio espectador. Sabemos que já existem naves espaciais, embora nenhuma tão grande nem tão sofisticada quanto as mostradas no filme. Sabemos que robôs computadorizados conseguem se mexer e todos nós já vimos um holograma. E assim vai, até que Luke entra num carro voador, e aí já não sentimos o menor problema em aceitar o universo dessa história e todos os gloriosos artefatos que o acompanham. Cada um dos exemplos iniciais do filme baseia-se em algo que sabemos ser possível; só que no filme tudo é um pouquinho melhor do que aquilo que temos no momento. O filme até nos permite um certo espaço de tempo durante o qual nos ajustamos à idéia de seres espaciais. Os primeiros que encontramos são pequenos, encapuzados e a única coisa realmente estranha a respeito deles são os olhos vermelhos. Quando chega a hora de entrar naquele bar, repleto com os tipos mais diversos de monstros, já compramos o peixe inteiro e suspendemos a descrença.
É vital, para que o espectador suspenda voluntariamente a descrença, que essa suspensão só aconteça uma vez na história. Em outras palavras, a gente se compromete a acreditar, mas, naquele momento, aquilo em que decidimos crer também inclui um conjunto de regras. Essas regras de um universo fictício terão, assim, que ser escrupulosamente seguidas, sob pena de o espectador fugir da história. Por exemplo, se estabelecermos no inicio que os carros voam, mas não os ônibus, é melhor não vermos um ônibus voando num momento posterior, senão perderemos a confiança em quem conta a história e não participaremos mais. Muitas vezes sentimos que o autor-roteirista está "trapaceando", quando isso acontece. Por exemplo, em DE VOLTA PARA O FUTURO, fala-se muito da enorme velocidade que o carro precisa atingir para viajar pelo tempo. Isso vira uma das "regras" do novo mundo em que entramos. Se, no final, o carro conseguisse viajar no tempo enquanto estivesse parado, ou indo mais devagar do que a velocidade que nos disseram ser fundamental, o espectador se sentiria trapaceado e se rebelaria contra o filme, contra a história e contra o autor-roteirista.
Uma outra característica das melhores histórias é o efeito de inevitabilidade que o escritor consegue atingir. O curso dos eventos que o roteirista pôs em marcha não se limita a seguir uma trilha plausível: o espectador acaba acreditando que não havia nenhum outro resultado possível. Essa sensação de inevitabilidade - uma combinação de personagens trilhando um caminho do qual não há volta possível - constitui talvez a maior façanha de um roteirista.
A inevitabilidade não deve ser confundida com previsibilidade. A inevitabilidade é a sensação, à medida que os eventos se desenrolam, de que não poderia ter sido de outro jeito, ao passo que a previsibilidade diz respeito à capacidade do espectador em adivinhar o que está para acontecer. Desde que haja dois resultados igualmente plausíveis impedindo que o espectador adivinhe o que vai acontecer na próxima cena ou seqüência e na resolução, a história não é previsível. E se, ao mesmo tempo, cada passo ao longo do percurso da história parecer provável, sem que estejam visíveis as mãos de Deus ou a do escritor; o desenrolar dos acontecimentos da história parecerá inevitável.
Texto extraído do livro Teoria e Prática do Roteiro, de Edward Mabley e David Howard

Conflito

A palavra chave para mim, é sempre o conflito. Qual é o conflito da história?
Qual o conflito que vai contar a história que você quer escrever?
WALTER BERNSTEIN.

O conflito é ingrediente essencial de qualquer trabalho dramático, seja no palco ou na tela. Sem conflito não teremos história capaz de interessar alguém. O conflito é o próprio motor que impele a história adiante; ele fornece movimente e energia a história.
É importante não confundir conflito com berros, armas, punhos e outras formas de comportamento extremo. Ainda que todas essas coisas possam transmitir a idéia de conflito, há outras maneiras de mostrá-los. Uma simples cena de almoço pode conter conflito, como na cena de Cada Um Vive Como Quer, na qual Robert Dupea tenta pedir torradas para acompanhar a refeição. O que poderia ser uma ocasião ultra-maçante, sem complicações, transforma-se numa cena fascinante, quando o pedido de torradas vira um desafio de duas vontades opostas, a de Robert e a de uma garçonete rigidamente presa as normas do restaurante, que não permite a substituição de acompanhamentos.
Na verdade, não se cria conflito com histrionices ou comportamentos exagerados e sim com um personagem querendo algo que é difícil de obter ou conseguir. Isso vale tanto para histórias como um todo como para cenas individuais.
Querer alguma coisa pode ser tanto positivo quando negativo, pode tanto avançar como recuar. Para os propósitos do conflito, não querer pode ser tão forte quanto querer ativamente. Tentar se safar de uma situação ou regressar a um status quo mais desejável também é querer algo. Tentar fazer algo difícil cria conflito. O desejo que cria o conflito pode ser tão simples quanto calçar um par de botas, como nas cenas iniciais de Dança com Lobos, ou tão cataclísmico quanto salvar o mundo da destruição nuclear, como em Dr. Fantástico, ou em qualquer filme de Igmar Bergman. Não querer fazer coisa alguma também poder trazer conflito, como Rick, em Casablanca, "que não arrisca o pescoço por homem nenhum".
E suma, conflito é fundamental.

Suspense & Surpresa
A diferença entre suspense e surpresa foi analisada por Hitchcock num célebre trecho de suas conversas com Truffaut.
Eis a conversa:
"Estamos conversando e a conversa é banal ... De repente, BUM, uma explosão. O público fica surpreso, mas antes lhe foi mostrada uma cena absolutamente sem interesse. Agora, examinemos o suspense. A bomba está debaixo da mesa e o público sabe... O público sabe que a bomba irá explodir a uma hora. Há um relógio no cenário que mostra que são quinze para uma. A mesma conversa desinteressante torna-se de repente interessantíssima por que o público participa da cena. No primeiro casa oferecemos quinze segundo de surpresa no momento da explosão. No segundo nós lhe proporcionamos quinze minutos de suspense. A conclusão disto é que é preciso informar o público (torná-lo cúmplice) sempre que possível, a menos que a surpresa seja um twist, isto é, quando o inesperado da conclusão constitui a graça da anedota."
Bom... O que Hitchcock disse é perfeito, não precisa ser complementado nem sequer comentado.

O poder da incerteza

Para que o cineasta ou a cineasta atinjam seu objetivo num longa é preciso, basicamente, manter o público na poltrona, prestando atenção no enredo e importando-se com o resultado e com os personagens. Em outras palavras, é preciso a participação do público. Sem isso, o espectador vira mera testemunha, desinteressado e insensível. Isto pode matar o drama, porque uma história não é, em si, dramática; ela só é dramática na medida em que tem impacto sobre o público, na medida em que seja capaz de comover, de alguma forma. O drama (incluindo-se ai tanto a comédia quanto a tragédia) exige uma reação emocional da platéia para poder existir.
Ironicamente, nem todas as histórias "comoventes" afetam as emoções do público e, por outro lado, nem todos os filmes aparentemente diretos e cheios de ação deixam o público insensível. Uma Rajada de Balas, O Poderoso Chefão e Intriga Internacional são filmes cheios de ação, entretanto todos geram uma reação fortemente emotiva por parte do público. Uma pessoa chorando histericamente num filme não terá nenhum impacto emocional a menos que nós saibamos alguma coisa sobre ela, sobre o contexto e sobre os fatos que levaram à crise de choro.
Então, qual é o truque para manter a participação do público e criar a reação emotiva da qual depende o drama? Respondendo numa só palavra: incerteza. Incerteza sobre o futuro imediato, incerteza sobre o desenrolar dos acontecimentos. Uma outra forma de definir esta idéia seria o conceito de "esperança versus medo". Se o cineasta conseguir fazer o público torcer por certos eventos e temer determinados outros, sem que saiba, de fato, para que lado vai pender a história, terá conseguido, com a incerteza, uma ferramenta poderosíssima. Quantas vezes não nos pegamos fascinados por uma história com um forte componente de esperança e medo?
Em Casablanca, Rick vai continuar ou não alheio àquele mundo complexo e perigoso que o cerca, ainda que seu grande amor, Ilsa, esteja envolvida e implicada? Em Os Incompreendidos, conseguirá Antoine encontrar um lugar no mundo onde se encaixe? Em O Tesouro de Sierra Madre, Fred C. Dobbs sucumbirá à cobiça ou manterá sua palavra? Em Janela Indiscreta, L. B. Jeiferies conseguirá provar o que houve do outro lado do pátio antes que o assassino o encontre? Em Noivo Neurótico, Noiva Nervosa, será que Alvy vai conseguir manter seu relacionamento com Annie? Em o Império Contra-Ataca, será que o jovem Luke será derrotado por Vader e se entregará ao Lado negro.
Às vezes, situações idênticas mas em circunstâncias diferentes provocam esperanças e medos opostos. Um casal jovem tentando ter um filho vai torcer para que a mulher engravide naquele mês e, simultaneamente, vai ter medo de que ela não consiga. Um casal de adolescentes, ou um casal cujo envolvimento é esporádico, talvez tenha medo de que a moça esteja grávida e torça para que não esteja. Ao mesmo tempo, a incerteza da platéia não é, necessariamente, igual à dos personagens. Se o público sentir que o casal tentando ter um filho não combina, que o casamento deles está por um fio e que o bebê vai se ressentir da separação iminente, o espectador é capaz de estar torcendo para que ela não fique grávida e temendo que ela consiga, ao passo que os personagens sentem exatamente o oposto.
Como é que se cria essa sensação de incerteza, esse conveito de "esperança versus medo", no público? Em primeiro lugar, e acima de tudo, o público precisa simpatizar, nem que seja minimamente, com um ou mais dos personagens principais. O passo seguinte para se criar esperança e medo é deixar que o público saiba o que potencialmente pode acontecer, mas nunca o que vai acontecer,
Em Tempos Modernos (Modem Times), Charlie Chaplin é vigia noturno numa loja de departamentos. Ele põe um par de patins nos pés e começa a exibir suas habilidades para Paulette Goddard usando uma venda nos olhos. Vai patinar justamente na área onde a loja passa por uma reforma, ao lado de um imenso buraco no chão. Ele patina na beirada do buraco, afasta-se, aproxima-se um pouco mais, afasta-se de novo, volta para perto do buraco, depois pára. Durante o tempo todo estamos rindo, mas tensos, sentindo uma forte sensação de esperança e medo. Se não soubéssemos do buraco no chão, se não pudéssemos prever o que poderia acontecer, não haveria tensão, não haveria esperança e medo e, portanto, não haveria drama. Mas como sabemos que ele pode despencar, entretanto não sabemos se ele vai ou não despencar mesmo, ficamos num estado de incerteza e, conseqüentemente, estamos participando.
A base dessa participação, portanto, é a antecipação. A antecipação do que pode ou não acontecer é uma situação informada, não é uma situação de ignorância. Em outras palavras, se não conhecemos os perigos ou os benefícios que podem advir no futuro próximo do filme, não somos capazes de antecipar o que pode ou não ocorrer. Um erro comum entre os roteiristas iniciantes é pensar que a única forma de evitar que o espectador adivinhe o final é mantê-lo desinformado sobre o que está acontecendo, é não divulgar informações. Mas imagine só se não tivéssemos conhecimento da existência do buraco no chão onde Carlitos patina. Imagine se não soubéssemos quem é o verdadeiro assassino em Frenesi (Frenzy). Imagine se não soubéssemos que havia bandidos atrás dos dois homens vestidos de mulher em Quanto Mais Quente Melhor (Some Like ft Hot). De onde viriam a tensão e o drama?
A chave para se evitar que o público adivinhe o que vem pela frente não é manter o espectador na ignorância e sim fazê-lo acreditar que, talvez, suas esperanças se concretizem, mas também que aquilo que ele teme pode acontecer. Ou seja, ter dois resultados igualmente plausíveis para determinada situação mantém a participação do público, porém este não é capaz de prever o resultado exato da cena ou da história.
A participação do público na história implica, portanto, o seguinte: o espectador tem um certo grau de simpatia pelo personagem, sabe o que pode acontecer ou não, está diretamente interessado num resultado ou noutro (através da esperança e do medo) e acredita realmente que tanto um quanto outro são possíveis. Tanto faz que você analise Amadeus ou Apocalipse Now, Janela Indiscreta ou E O Vento Levou, O Terceiro Homem ou Quando Duas Mulheres Pecam - a chave para que as cenas individuais e a história toda funcionem está no fato de os cineastas terem conseguido criar, no público, essa mistura de sentimentos, conhecimento e crença. Mas para poder criá-la no público, a mistura tem de existir no papel, tem de estar no roteiro. Se a criação desse relacionamento com o público não for levada em consideração na fase de roteirização, praticamente não existe qualquer esperança de superar a falha na produção do filme.

Texto extraído do livro "Teoria e Prática do Roteiro" de Edward Mabley e David Howard

Preparação e Conseqüência

Preparação e conseqüência são dois elementos que podem ser utilizados para aumentar bastante a vivencia do espectador.
Cena de preparação
Uma cena de preparação é aquela em que o espectador e em geral o personagem (ou personagens) se preparam para uma próxima cena dramática. Filmes de guerra ou de competições esportivas, por exemplo, são ricos e cenas de preparação. São aquelas cenas em que o soldado se prepara para a grande batalha ou o esportista para a grande competição.
Cena de conseqüência
Cena de conseqüência é aquele que permite ao público e ao espectador "digerirem" uma cena dramática imediatamente anterior. A famosa cena musical que dá o Título a Cantando na Chuva é, na verdade, uma longa cena de conseqüência em que o personagem da vazão as suas emoções e o espectador sente a mesma coisa.
Cena de preparação e Conseqüência por contraste
Neste tipo de cena, você vai instilando ao espectador uma expectativa emocional oposta aos efeitos que a próxima cena dramática provocará. Por exemplo em KRAMER vs KRAMER, Ted Kramer chega em casa depois de "uns dos cinco melhores dias de sua vida" e encontra a mulher pronta para abandoná-lo de deixá-lo com o filho.

Uma pista é um artifício preparatório que ajuda a construir um roteiro bem estruturado. Pode ser uma fala num diálogo, um gesto de um personagem, um maneirismo, uma ação ou combinação disto tudo. A medida em que a história se desenrola, a pista é plantada algumas vezes, o que a mantém viva na mente do espectador. Em geral, perto da resolução da história, quando a situação do personagem e também o público já tiverem mudado, surge a recompensa. Na recompensa o diálogo, o gesto do personagem, o maneirismo, a ação ou seja lá o que for, adquirem novo significado.
Em geral, é melhor separar a pista da recompensa com o máximo de tempo de filme possível. Isso mantém a expectativa e a tensão do roteiro, principalmente quando um personagem e o público sabem de alguma coisa que outro personagem (ou personagens) não sabe, pois dá uma relação de cumplicidade entre o espectador e o personagem.
Um exemplo de pista e recompensa extremamente sutil em O IMPÉRIO CONTRA-ATACA, quando Luke corta a cabeça de Vader (que era apenas sua imaginação) e vê a si mesmo por dentro do elmo. Mais tarde, quase no final do filme se dá a recompensa: o espectador e Luke são informados que Vader é seu pai. Uma outra pista é dada quando Yoda fala a Ben que "existe outra esperança" e a recompensa só vem três anos depois com o lançamento da continuação O RETORNO DE JEDI.
Elementos de futuro e anúncio
Elementos de futuro e anúncio são duas ferramentas que ajudam a empurrar o espectador em direção ao futuro, fazendo-o a pensar em termos do que pode acontecer, sem no entanto saber o que vai acontecer.
Se no começo de uma história vemos duas pessoas mal encaradas comprando armas de grosso calibre, e eles são personagens significativos, nós desconfiamos de que essas armas serão usadas e que haverá tiroteio. Isso é um anúncio.
Quando em OS BRUTOS TAMBÉM AMAM, Joey pergunta ao pai se ele pode "surrar" Shane durante uma luta é um elemento de futuro que prevê a luta verdadeira mais tarde na história.
O anúncio serve para apontar ao espectador o que vem adiante, usando as intenções dos personagens de obter ou realizar um evento futuro. Os elementos de futuro empurram o espectador adiante, usando as esperanças e/ou medos dos personagens, quer eles esperem que isso se materializem ou não.
Elipse
Muitas vezes, num roteiro é necessário introduzir elipses, isto é, omissões voluntárias de um fragmento da história, de um momento ou de um detalhe particular - omissões que o espectador pode ou não completar mentalmente.
As elipses servem para:
a) Acelerar o ritmo, animá-lo. Não somos obrigados a infligir ao espectador, numa determinada cena, todas as ações que a compõem. Uma cena de conflito, por exemplo, pode ser iniciado no momento em que as personagens já estão iradas, ou então terminar antes de chegar o clímax. Muitas vezes, pequenas elipses (quase imperceptíveis) que não estão no roteiro são incluídas na fase de edição do filme.
b) Reservar algumas surpresas ao espectador. O caso mais clássico é aquele em que as personagens montaram um plano e se faz a elipse do momento em que elas o explicam umas às outras - isto para deixar ao espectador a surpresa de descobri-lo.
c) Evita repetições quando uma personagem deve recapitular para outra, recém-chegada, o que o público já sabe.
d) Postergar informações sobre um momento ou detalhe que é peça capital do quebra-cabeça representado pela construção do filme.
A elipse pode aparecer em centenas de formas diferentes. Seja criativo. Um exemplo interessantíssimo é a elipse usada em "REVIRAVOLTA" (U-turn), dirigido por Oliver Stone. O personagem interpretado por Nick Nolte narra a Sean Pean o modo que ele deve agir para conquistar sua esposa e, em seguida, assassiná-la. Enquanto Nolte faz a narração, as imagens de Sean Pean seguindo suas instruções são exibidas ao espectador. Ao final da narração (em Off), já estamos no tempo em que Sean Pean vai executar o plano. Como a criação do plano e sua execução acontecem ao mesmo tempo para o espectador, foram economizados vários minutos de cena com uma criativa elipse.

Análise de Matrix

Todos os direitos reservados a Pablo Polo
Universidade federal de Pernambuco
Centro de Artes e Comunicação
Radialismo 7º período (1999)
Redação para TV 2

The Matrix
[1999]
Escrito e dirigido pelos irmãos Wachowski
O thriller de ação mais comentado do ano de 1999. O filme traz questionamentos filosóficos mascarados pela busca incessante de um jovem para descobrir a resposta de uma pergunta. O que é a Matrix (Matrix)? Sucesso de bilheteria e de crítica, "The Matrix", além de ser um filme bem resolvido do roteiro a execução trouxe inovações tecnológicas para o mundo dos efeitos especiais. A tão comentada cena em que o protagonista se desvia de balas só foi possível após dois anos de estudo e graças a mais de 120 câmeras colocadas de forma circular ao objeto da cena. O resultado? Um recurso visto apenas com objetos criados em computação gráfica, um giro de 360 graus numa cena em movimento, o verdadeiro exercício da tridimensionalidade para a imagem não estática.

Sinopse

O conflito se estabelece logo no início com a tentativa frustrada da polícia em prender uma mulher. Essa cena de abertura apresenta ao espectador que o filme não se trata de situações reais do nosso cotidiano. A mulher que é perseguida (Trinity) apresenta habilidades sobre-humanas assim como seu perseguidor (um Agente). Um começo de muita ação que prende a atenção do espectador e que o joga num mar de dúvidas a serem explicadas mais na frente no filme.
O protagonista é apresentado como um jovem operador de sistemas de uma empresa que passa suas noites como hacker a procura das respostas para suas dúvidas interiores. Essas dúvidas são condensadas em apenas uma pergunta, o que é a Matrix?
Uma mensageira (Trinity) o procura para lhe indicar como achar as respostas para suas dúvidas. Em seguida ele é abordado e interrogado por policiais (os Agentes), que sabem da sua vida de hacker e o ameaçam caso ele não colabore em entregar o líder de um grupo de bandidos, Morpheus.
O próprio Morpheus vai atrás do Protagonista (Neo) e lhe oferece a luz para iluminar suas dúvidas. Neo aceita embarcar numa viagem em busca da verdade, nesse ponto o filme dá uma virada e o espectador descobre, junto com o protagonista que o nosso mundo não é o mundo real e sim que o que vivemos se trata de um programa de computador.
A partir desse momento Neo fica sabendo que está vivendo de verdade no futuro e que no começo do século XXI a humanidade descobriu a Inteligência Artificial. E que alguns anos depois os homens travaram uma batalha contra "As Máquinas " e perderam. Atualmente os seres humanos eram cultivados para serem utilizados como meios de obtenção de energia para suprir as necessidades das Máquinas.
Nesse ponto ele descobre o que é a Matrix , um programa de computador criado pelas Máquinas para controlar as mentes dos seres humanos.
Neo descobre também que é "O Escolhido", o homem que anuncia a início do fim da Matrix. Desse ponto em diante o filme se movimenta na preparação de Neo para enfrentar a Matrix, os Agentes e libertar a raça humana. Porém durante todo o filme a dúvida de que Neo seja realmente ou não o Escolhido tormenta o protagonista e o espectador. O Oráculo (personagem que prevê a chegada do salvador) aumenta essa dúvida dizendo que ele tem o Dom mas está esperando por alguma coisa para manifestá-lo.
No fim Neo começa a acreditar que é o Escolhido e enfrenta um Agente, uma dura batalha que resulta na vitória de Neo, porém os Agentes são imortais e Neo decide correr para sair da Matrix e voltar para o mundo real. Nesse ponto ele é pego pelo mesmo agente que venceu e é morto. Trinity fala que ele não pode morrer pois o oráculo disse que ela ficaria apaixonada pelo Escolhido. Neo renasce e então compreende a Matrix, desenvolve o poder de moldá-la como ele quiser.
O filme encerra com ele dizendo que libertará o mundo do controle da Matrix. Ele avisa que a partir daquele momento a decisão de que rumo tomar será de cada um.

Protagonista e Objetivo

Neo (Sr. Anderson) é no dia a dia um operador de sistemas e a noite um hacker. Ele tem perguntas e não sabe como encontrar as respostas. Sua angústia vem do fato de saber que algo está errado em sua vida, mas ele não sabe o quê. Ele busca mais controle sobre sua vida. Neo é um personagem movido por essa busca. Busca que no início do filme toma forma na pergunta "O que é a Matrix?".
O público se identifica com facilidade através de um processo de semelhança, afinal todos trabalhamos e queríamos ter mais controle das nossas vidas. Ficamos presos ao desenrolar da trama e vamos encontrando as respostas junto com o protagonista.
Quando ele descobre que a Matrix é um programa de computador criado para controlar a vida de todos os seres humanos e que ele pode ser o suposto predestinado a salvar a humanidade seus objetivos tornam-se mais claros.
Em primeiro lugar ,o objetivo principal do protagonista está na necessidade de ser dono de suas ações. A palavra liberdade é o objetivo principal de todos no filme. Neo procura isso desde o começo, no trabalho tem dificuldade de seguir as normas da casa. Ele diz não acreditar no destino: - "Por quê não me agrada saber que não tenho controle sobre minha vida". A dúvida dele ser ou não o Escolhido serve como um antagonista interno a sua luta pela liberdade.
A luta pelo controle da própria vida, conseguir a liberdade, é o objetivo principal do protagonista e do filme. A resolução da dúvida de ele ser o Escolhido (aquele capaz de mudar a vida ao seu redor, inclusive a dele mesmo) é seu obstáculo máximo.

Obstáculos

Para Neo são vários os obstáculos. Eles são apresentados como agentes internos e externos. A Matrix representa a prisão de onde ele deseja escapar. Para isso ele precisa superar suas dúvidas interiores do que são, sem sombra de dúvida, seus piores obstáculos. Para atingir seu objetivo Neo precisa libertar sua mente (-"Free your mind Neo"). Para eliminar suas dúvidas ele passa por vários estágios de preparação e conflitos. Até chegar ao ponto de acreditar que pode tomar as rédeas da sua vida. Os agentes externos são literalmente os Agentes (o inimigo em sua forma física, ou melhor, em sua forma digital), Cipher o traidor do grupo e a presença da Matrix.
O conflito interno, a ameaça física dos inimigos e a presença física e psicológica da Matrix são os antagonistas do filme.

Premissa e abertura

Um jovem deseja eliminar suas dúvidas e tomar o controle da sua vida. Só não imaginava que estava envolto numa outra realidade, a realidade imposta pela Matrix. Aqui começa a luta para compreender e superar esse novo mundo dominada pelas Máquinas.
Como abertura os diretores optaram por uma demonstração dessa nova realidade , mesmo que sem revelar exatamente do que estavam falando. O espectador sabe que se encontra diante de algo inusitado quando vê uma mulher acabar sozinha com duas unidades de policiais e depois executar uma fuga fenomenal. A abertura provoca fascínio e curiosidade. Durante uma grande etapa do filme o espectador vai recebendo as informações necessárias para entender esse novo mundo do qual o filme fala.

Tensão principal, culminância e resolução

A tensão principal do filme está na dúvida de se Neo conseguirá superar as leis impostas pela Matrix e assumir o comando. A tensão é reforçada através da dúvida de se ele é ou não o Escolhido. Todo o segundo ato se sustenta nessas questões.
A culminância começa na cena que ele decide lutar com o Agente e Morpheus fala: -"Ele está começando a acreditar" e atinge o ponto máximo quando ele é morto pelo Agente. Nesse momento ficamos balançados, sem querer acreditar ou sem saber no que acreditar. Quando Neo renasce e "vê" a Matrix como ela é o segundo ato se encerra com a constatação que ele é o Escolhido.
A resolução vem com a afirmação do protagonista que ele vai libertar as pessoas dominadas pela Matrix, -"Um mundo sem o controle...". Nesse ponto Neo se afasta da cabine telefônica que estava falando e alça vôo. É o ápice da metáfora do filme. O homem que é livre para voar, moldar o mundo a sua maneira.

Tema
O tema de Matrix está relacionado a atual situação do homem nesse fim de século. Nós somos donos da nossa vida? Nós sabemos quem somos? Todos os personagens estão voltados para um objetivo, a conquista da liberdade, do livre arbítrio. Até o Agente Smith, quando interroga Morpheus, diz que quer os códigos de acesso ao Mainframe de Sião (única cidade humana que restou) para não ter mais de voltar para a Matrix, ou seja, ele também quer ser livre.

Unidade
Nesse filme predomina a unidade de ação. Todo o desenrolar do filme acontece devido a busca do protagonista pelo seu objetivo e as dificuldades que virão a gerar conflito. Mesmo quando uma cena não tem a presença do protagonista, ela é sobre ele ou sobre o objetivo principal. Por exemplo, na cena em que Cipher está combinando com o Agente Smith o plano de traição trata-se de uma cena de preparação e da exposição de um obstáculo para o protagonista. Na cena inicial Trinity está observando e falando sobre Neo. Também há unidade de lugar. Um exemplo é que a cena inicial se passa no "Heart Hotel" (o coração da cidade) e a cena final também. Detalhe que o nome do Hotel não foi escolhido por acaso, é no coração da cidade que o filme começa com Trinity e depois acaba com Neo, o par da estória. É lá que Neo renasce e vence a batalha. Um exemplo de Metáfora metalingüística.

Exposição
A forma como foi colocada a exposição nesse filme foi essencial para o sucesso do mesmo. O filme traz conceitos próprios. Um novo universo precisava ser exposto para o espectador. Como o protagonista também não conhece esse universo e vai descobrindo-o aos poucos, a exposição se faz parecer dramaticamente necessária. Neo é bombardeado por perguntas como: -"Você quer saber o que é a Matrix? Infelizmente ninguém pode explicar o que é a Matrix, é preciso ver com seus próprio olhos". Quando você assiste pela primeira vez não entende direito o que Morpheus fala nessa cena, mas quando você assiste pela Segunda vez você nota que o roteirista diz tudo o que a Matrix é porém essa compreensão só chega quando junto com Neo nós vemos o que é a Matrix.
Nesse momento o roteirista está falando diretamente com o espectador mas disfarçado nos diálogos e nas eletrizantes cenas de revelação. A necessidade do protagonista em resolver o conflito gerado pelas suas duvidas e o árduo caminho percorrido por ele facilitam a exposição das premissas do filme.

Caracterização
Os personagens estão sempre motivados pelos seus desejos. Neo quer as respostas. Trinity luta pelos mesmos objetivos de Morpheus, salvar a humanidade(e eles mesmos) do controle da Matrix.
A caracterização do protagonista chama a atenção, as premissas de quem Neo é são expostas assim : O chefe fala da sua dificuldade em aceitar regras; Trinity descreve a vida de dívidas e angústias que Neo leva; O diálogo com o agente Smith apresenta o que Neo fazia antes da estória do filme começar; Morpheus ressalta a angústia de Neo e apresenta-o como o Escolhido; o Oráculo fala que ele não acredita nele mesmo e que é necessário conhecera si mesmo e por aí vai.
Todas as caracterizações são colocadas em momentos de conflito, a busca de Neo desencadeia os fatos que revelam sua própria identidade. Os outros personagens também são bem caracterizados e mesmo servindo a trama possuem interesses próprios enriquecendo o filme e tornando-os plausíveis.

Um exemplo de uma cena construída na base de desejos conflitantes é a cena em que Cipher começa a matar os colegas. No plano geral do roteiro ele representa um obstáculo, mas no plano da cena é o desejo de Cipher em regressar para a Matrix contra o desejo dos que lutam contra a destruição da mesma.

Desenvolvimento da História
Após a abertura podemos dizer que a História começa a se desenvolver quando é revelado para o público o que o protagonista tanto deseja. No caso de Matrix é quando notamos o personagem Neo se movimentando para eliminar suas dúvidas.
Nesse momento se estabelece a tensão principal que movimenta todo o filme para a resolução da mesma. Cenas como as do momento em que ele está sendo doutrinado com técnicas de combate e as aulas sobre a Matrix dadas por Morpheus dão a nítida sensação de evolução na saga do protagonista. Em contrapeso as cenas do Oráculo, quando se reforça a dúvida, a cena da prisão de Morpheus, a cena da morte dos companheiros são cenas que distanciam Neo do seu objetivo principal.

Ironia Dramática
A ironia dramática é bem utilizada em alguns momentos do filme. Quando os escritores revelam para o público a traição de Cipher, eles nos colocam numa posição privilegiada em relação aos personagens. No momento em que Cipher é o primeiro a sair da Matrix naquela cena de fuga da equipe nós criamos uma tensão pois sabemos que ele é o traidor e que os personagens não sabem. Logo depois Cipher ataca traiçoeiramente o personagem Tank.
Outro exemplo é que quando Trinity e Neo estão se preparando para sair da Matrix pelo telefone do metrô. A câmera revela apenas para o espectador que o mendigo presente na cena se transformou no Agente Smith. Neo e Trinity não vêem o Agente que dispara contra Trinity que escapa por pouco, um momento bem curto mais com boa intensidade dramática.

Preparação e Conseqüência
Esse recurso é bastante utilizado no filme. Toda uma seqüência de preparação do protagonista se apresenta como forma de cascata, uma atrás da outra. Neo é treinado por Tank para se preparar para o treino com Morpheus. O treino com Morpheus é uma grande preparação para a batalha contra a Matrix.
Um exemplo de preparação por contraste é a cena tranqüila da casa do Oráculo que precede toda a seqüência de lutas e mortes do grupo. Uma cena de conseqüência pode ser a cena do combate entre Neo e o Agente Smith, durante todo o filme somos preparados para esse confronto e quando ele se dá nos podemos desfrutar melhor da sua vitória.

Pista e recompensa
Uma ótima pista em Matrix é a cena em que uma criança na casa do Oráculo ensina a Neo que a colher não existe e que quem dobre é ele. Essa é uma pista para a cena em que ele se move tão rápido quanto os Agentes e se e desvia das balas. Outra pista simples vem da cena em que Cipher deixa cair seu telefone ligado na lata de lixo, esse elemento nos indica como os Agentes localizam o grupo. Muitas pistas do filme são dadas através dos diálogos: -"Porque meus olhos doem?", -"Porque você nunca os usou antes". Nessa cena e outras as pistas servem como antecipação e preparação, para que quando as cenas se concretizem o impacto dramático seja mais forte.

Elementos do Futuro e Anúncio
A expectativa do futuro está sempre presente para o espectador de Matrix. Durante boa parte do filme o protagonista se movimenta sendo preparado para enfrentar seu destino, ele é ou não o Escolhido? Mesmo com o filme voltado para as cenas futuras cada cena possui sua própria carga dramática e seu próprio conflito prendendo o espectador sem deixá-lo ir na frente dos acontecimentos.
A cena do Oráculo serve perfeitamente como uma cena de anunciação. O Oráculo avisa que ele terá de tomar uma decisão. Em uma mão Neo terá a vida de Morpheus e na outra terá a sua vida, qual a escolha que ele irá tomar. O anúncio do Oráculo deixa claro que essa cena irá existir.

Plausibilidade
No caso do filme A Matrix nós entramos naquele mundo de regras específicas desse filme de ficção junto com Neo ( o protagonista). Durante uma das conversas com Morpheus ele diz a Neo: -" Aqui as regras são as mesmas de um mundo de computadores, algumas podem ser distorcidas e outras podem ser quebradas". Esse gancho é simplesmente maravilhoso pois mesmo construindo as regras que envolvem o mundo da Matrix o roteirista dá uma pista que na verdade não há regras. Serve como um licenciamento poético. Ou seja as regras daquele mundo são maleáveis e assim a leitura do espectador também precisa ser.
Apesar desse gancho ainda existe o efeito de inevitabilidade. Neo é impulsionado para o desfecho do filme, quando o filme chega na sua culminância, nós já acreditamos que aquele era o único caminho a seguir.

Ação e atividade
O fato de Ter que estar em contato com uma linha telefônica para entrar ou sair da Matrix é uma atividade para os personagens. Mas quando Trinity está tentando fugir do Agente Smith, que tanta matá-la com um caminhão, e ela corre em direção à cabine telefônica essa atividade se torna uma ação. Já que atrás da ação está toda a esperança de Trinity de se salvar.
Outro exemplo de ação e atividade está no fato de colocar ou tirar os plugues para se conectar com o muno da Matrix. Normalmente é uma ação para os personagens , mas quando Cipher está ameaçando tirar a vida de Neo puxando o plugue a mesma coisa se torna uma ação.
A ação é essencial para o desenrolar da história, ela muda o rumo do filme para frente ou para trás e as atividades enriquecem a história e os personagens.

Diálogo
O diálogo é essencial em Matrix. Ele revela tanta coisa no começo do filme que a princípio poderia parecer chato. Mas não é o caso, os diálogos são muito bem amarrados eles brotam das necessidades dos personagens, dos conflitos e servem como força motora para o desenrolar da história.
Mesmo quando Morpheus explica o que é a Matrix ele está sendo motivado pelo desejo de convencer Neo a se juntar a ele. Neo estimula os diálogos motivado pela sua procura pessoal, que é também o objetivo principal do filme.
Os diálogos trazem muitas questões filosóficas sobre o ser humano, mas como já disse são colocados a partir da s necessidades dos personagens e dos conflitos enfrentados por eles, esse recurso faz dos diálogos desse filme construções bem engrenadas e ao mesmo tempo funcionais ao propósito do roteiro.
Os diálogos apontam as cenas que virão além de explicar as premissas não mostradas no filme.

Elementos visuais
"Uma imagem vale mais do que mil palavras". As vezes isso é verdade. Em Matrix Morpheus diz a Neo e ao espectador que não se pode explicar o que é a Matrix, mas sim, que você tem de ver pelos seu próprios olhos. Como atingir a mesma carga dramática das cenas do cativeiro de humanos usando palavras em vez de uma imagem de um bebê preso em tubos e encharcado de líquidos provenientes de outros seres humanos?
Além dos recursos explicativos o filme trás elementos visuais sedutores e fantásticos. Para colocar a lista de efeitos especiais em evidencia é necessário apontar que eles entram de forma funcional, ou seja existem para dar subsídios para as cenas.
Uma observação engraçada. O filme fala o tempo todo de tecnologia e elege uma cor para coroar as cenas e ser a cor predominante durante todo o filme. Estou falando da cor verde. O verde está presente em praticamente todas as cenas e depois que esta constatação chega cria-se uma relação psicótica e engraçada: -" Ali, dois sacos de lixo bem verdes".
A cena do tiroteio no prédio dos policiais é extremamente visual. O mundo fantástico e sem limites de Matrix não pode ser sentido pelo espectador através dos diálogos e sim através das imagens dos personagens andando pelas paredes ou dando saltos e golpes impossíveis para uma pessoa normal.

Cenas Dramáticas
O filme está recheado de cenas com forte carga dramática. Existem cenas bem definidas quanto aos objetivos específicos daquela cena assim como temos cenas voltadas para o objetivo principal. A cena inicial trata-se do objetivo de Trinity em fugir mas serve como apresentação do mundo do filme para o espectador.
Toda cena do filme acrescenta informações importantes para a trama, movimentando-a para frente ou para traz.
Uma cena marcante é sem dúvida o final. Quando pensamos que já esta tudo praticamente resolvido e que Neo é mesmo o escolhido os roteiristas dão um verdadeiro choque elétrico. Quando o Agente Smith descarrega o pente de sua pistola matando o protagonista todas as nossas dúvidas voltam em poucos segundos de ação. Os outros personagens desmoronam conosco vendo suas esperanças indo por água abaixo. Mas quando Trinity revela seu amor e sua confiança no protagonista uma chama de esperança se acende e torna-se mais intensa quando ele ressuscita dando a certeza que ele triunfou. E junto com ele todos os espectadores.
Como é? Ele morre e ressuscita? E no final ainda sai voando? Mas como é possível?
Simples: -"He is The One" (Ele é O Escolhido),
Morpheus
Arquétipos mitológicos
Carl G. Jung sugeriu que pode existir um inconsciente coletivo. Os mitos seriam como sonhos de uma sociedade inteira: o desejo coletivo de uma sociedade que nasceu do inconsciente coletivo. Os mesmos tipos de personagens parecem ocorrer nos sonhos tanto na escala pessoal quanto na coletiva. Esses personagens são arquétipos humanos. Os arquétipos são impressionantemente constantes através dos tempos nas mais variadas culturas, nos sonhos e nas personalidades dos indivíduos, assim como nos mitos do mundo inteiro. Dominar esses arquétipos dá um grande poder ao roteirista, são ferramentas úteis, como um baú cheio de truques.
Os arquétipos mais comuns nos mitos são:
HERÓI
MENTOR
GUARDIÃO DO LIMIAR
ARAUTO
CAMALEÃO
SOMBRA
PÍCARO
É claro que existem outros. Abaixo um comentário sobre esses arquétipos e sua função dramáticas.

O HERÓI
A principal característica que define este arquétipo é capacidade que ele tem de se sacrificar em nome do bem estar comum. Nos filmes de ação este arquétipo é personificado, preferencialmente, pelo protagonista. É ele que vai conduzir a história aos olhos do espectador, o desenvolvimento da trama está pautado nas ações do herói perante o ambiente que lhe é apresentado e no resultado destas ações. Portanto, para um roteiro ser bem aceito pelo público é preciso que este tenha uma identificação com o herói. Quanto mais humana a feição do seu herói mais provável a identificação. É preciso que o herói tenha suas qualidades louváveis e desejadas pelo espectador e ao mesmo tempo possua fraquezas que o tornem mais humano e mais próximo.
Com o herói sendo o protagonista, o roteiro se torna um relato da aventura deste. Uma jornada, onde ele deixa o seu mundo comum e cotidiano e parte para novas descobertas e desafios. O estímulo para esta jornada é a mudança de algo em seu mundo comum, e ele parte para buscar a restauração deste mundo, ou ele está insatisfeito em seu mundo e parte para provocar uma mudança. Em ambos os casos o motivo da jornada é a falta de alguma coisa. O herói se sente incompleto e vai em busca de sua plenitude. O resultado é a transformação do próprio herói. Mesmo que o ambiente não se altere o herói não o enxerga mais da mesma forma. O sacrifício foi feito o herói do começo da história morre para dar lugar a outro.
O confronto com a morte é outra característica deste arquétipo. A morte pode ser física ou simbólica, mas está presente. Na maior parte dos casos o herói se depara com a morte eminente e triunfa sobre ela, se tornando um mártir (quando ocorre a morte física) ou renascendo a partir de sua própria destruição (quando a morte física foi apenas uma ameaça ou quando a morte é simbólica), em ambos os casos o herói triunfa.
O arquétipo do herói não é exclusivo do protagonista, muitas personagens (como o Mentor Ben Kenoby em Guerra nas Estrelas) podem ter atitudes heróicas. Da mesma forma que o herói pode ter características de outros arquétipos. A riqueza de uma personagem é sua complexidade, a capacidade de assumir outros arquétipos, sem se esquecer do principal, dá uma dimensão humana permitindo a identificação e a credibilidade. Poucos acreditam em heróis que só praticam o bem pelo bem e em vilões que só praticam o mal pelo mal.

O MENTOR
Como a função do herói é o aprendizado, ele necessita de alguém que o guie, pelo menos até o momento que ele possa andar com seus próprios pés. O mentor pode ser um herói de uma jornada anterior, portanto, ele é uma projeção do que o herói se tornará ao fim de sua aventura. Em outros casos o mentor pode ser um herói que, no passado, falhou na sua jornada, mas mesmo assim adquiriu alguma experiência que pode ser útil ao herói.
Além dos ensinamentos o mentor pode dar ao herói algum presente que o ajude na sua jornada, ou, em certas histórias o mentor pode fazer um papel de consciência do herói.
De um modo geral a função do mentor é estimular a entrada do herói na aventura. Dando-lhe um presente ou apresentando a situação de tal maneira que o herói vença o seu medo e parta para a aventura.

O GUARDIÃO DO LIMIAR
No decorrer da aventura o herói enfrenta desafios. Estes desafios podem ser obstáculos, tentando impedir que o herói continue sua trilha, ou aliados que estão ali para testá-lo. Muitas vezes um guardião depois de ser ultrapassado se torna aliado do herói ou até uma espécie de mentor.
Em algumas histórias estes guardiões são aliados do vilão que possuem poder menor que este. Para a preparação do herói é necessário que ele enfrente estes guardiões e se torne mais forte para enfrentar o vilão. Neste sentido o guardião é uma prévia da luta final. Se a história é uma luta psicológica os guardiões estão representados nas próprias limitações internas do herói.
O guardião, assim, como o mentor pode estar representado por cenários, objetos, pensamentos. Não precisam, necessariamente, ser personagens da história para se fazerem presentes.

O ARAUTO
O arauto é a primeira chama à mudança, pode ser uma personagem ou fato que traga ao herói à vontade ou decisão de lançar na aventura. Em algumas histórias o arauto representa a primeira manifestação das energias da sombra.
Quando o herói vive uma situação de desequilíbrio o arauto é a força que vai ser a gota da água (a morte dos tios do Luke). O herói parte para enfrentar o primeiro guardião de limiar.

O CAMALEÃO
A característica deste arquétipo é a mudança. Pode estar representado por uma personagem, geralmente de sexo oposto ao do herói, que aos olhos do herói e do espectador apresente uma mudança de aparência ou de espírito, de forma que não se possa prever suas ações.
A função do camaleão é acabar com a previsibilidade da história. O herói, assim como o espectador, fica em dúvida com a relação à fidelidade do camaleão. Pode ser um aliado ou aliado da sombra.
O arquétipo do camaleão pode ser assumido, momentaneamente, por personagens que representam outros arquétipos. A sombra, o herói, o mentor, o guardião, enfim todos podem apresentar as características do camaleão para atender melhor suas próprias funções. Muitas vezes isto se dá quando uma personagem representativa de um arquétipo finge ser representante de outro.

A SOMBRA
A sombra é representada pelo vilão ou inimigo do herói. Seu objetivo é, geralmente, a morte ou destruição definitiva do herói. Por outro lado, o antagonista do herói pode ser um aliado que discorda das ações do herói e opta por tomar outras ações, de forma que ambos entram em uma competição para se resolver à história.
A função primordial da sombra é impor desafios ao herói, de modo que este tenha que se fortalecer para vencê-los. A sombra pode ser um reflexo negativo do herói. Em uma história de luta psicológica, a sombra é representada por traumas e culpas do próprio herói.
Assim como o herói, a sombra pode se tornar mais interessante se possuir uma feição humana, ou seja, ter defeitos ou qualidades que a aproximem do espectador. Além das fraquezas mortais, a sombra pode ter um lado bom ou uma visão que justifique suas ações.

O PÍCARO
Este arquétipo pode ser representado por um palhaço ou qualquer personagem cômico, ele carrega em si o desejo de mudança da realidade.
A função deste arquétipo é acordar o herói para a realidade, denunciando a hipocrisia e o lado ridículo das situações apresentadas. Esta função também atinge o público, uma vez que este e o herói estão ligados, trazendo um alívio cômico após uma situação tensa da história.
Este arquétipo também pode aparecer ou ser assumido por personagens representativas de outros arquétipos. O herói picaresco, por exemplo, é muito comum em contos tradicionais de vários países e uma constante nos desenhos animados infantis.

A jornada do herói

Mapa de Christopher Vogler
Primeiro ato
Mundo comum
Chamado à aventura
Recusa do chamado
Encontro com o mentor
Travessia do 1º limiar
Segundo ato
Testes, aliados e inimigos
Aproximação da caverna oculta
Provação Suprema
Recompensa
Terceiro ato
Caminho do volta
Ressurreição
Retorno com o elixir

Mapa de Joseph Campbell
Partida, preparação
Mundo cotidiano
Chamado à aventura
Recusa do chamado
Ajuda sobrenatural
Travessia do primeiro limiar
Barriga da baleia
Decida, iniciação
Estrada de provas
Encontro com a deusa
A mulher como tentação
Sintonia com o pai
Apoteose
A grande conquista
Retorno
Recusa do chamado
Vôo mágico
Resgate de dentro
Travessia do limiar
Retorno
Senhor de dois mundos
Liberdade de viver

Vamos deixar bem claro que qualquer um desses mapas acima podem e devem ser alterados para cada história. Os mapas devem servir a necessidade da história e não o contrário. Eles são extremamente flexíveis.
Apesar das tantas e tantas variações que vemos no cinema da jornada do herói, no fundo, no fundo podemos concebê-la como uma única jornada. Um herói sai de seu seguro mundo comum para se aventurar num mundo hostil e estranho. Leve em consideração que essa jornada pode ser externas ou internas, ou seja, pode ser uma aventura física propriamente dita, com mocinhos, bandidos, etc ou uma história que se passa na mente e/ou coração do herói.
Uma história de tribunal, por exemplo, em que o personagem principal é o advogado. O tribunal é o cotidiano desse personagem, seu mundo comum. Mas um caso especial, uma defesa extremamente difícil pode levá-lo ao mundo especial, mesmo não saindo de seu costumeiro tribunal, de sua casa e de seu escritório.
Abaixo um comentário de cada etapa da jornada do herói seguindo o mapa de Christopher Vogler. Escolhemos o mapa de Vogler porque ele é mais voltado para o universo cinematográfico.

1. O MUNDO COMUM
A maioria das histórias leva o personagem principal para foram do seu mundo comum, cotidiano, para um mundo especial, novo e estranho. A idéia de peixe fora d'água gerou muitas e muitas histórias de filmes. Exemplo: Guerra nas Estrelas, O Fugitivo, 48 horas, O Mágico de Oz, Excalibur.
Antes de mostrar alguém fora de seu ambiente costumeiro, obviamente primeiro se deve mostrá-lo em seu mundo comum, para poder dar um contraste nítido entre o mundo especial que entrará.
Em Guerra nas Estrelas primeiramente vemos o herói Luke Skywalker em sua vidinha na fazenda, cheio de tédio antes de embarcar na aventura contra o império galáctico.
No emocionante Thelma & Louise primeiro conhecemos as duas personagens em suas vidas cotidianas. Uma é garçonete e a outra é dona de casa. Somente depois é que embarcamos no mundo especial, no qual elas serão fugitivas da polícia.

2. CHAMADO À AVENTURA
Ao herói é apresentado um chamado à aventura, um desafio de grande risco. Uma vez apresentado esse chamado, o herói não pode mais permanecer indefinidamente em seu mundo comum. A terra pode estar morrendo, como nas histórias do Rei Arthur em busca do cálice graal. Em Guerra nas Estrelas o chamado acontece quando Luke vê com Ben o holograma da princesa Leia pedindo ajuda.
Nas comédias românticas, o chamado à aventura pode ser o primeiro encontro com alguém especial, normalmente no cinema americano, uma pessoa irritante em que o protagonista passa a perseguir e enfrentar.
O chamado à aventura estabelece o objetivo do jogo e deixa claro qual é o objetivo do herói. Será que Luke conseguirá salvar a princesa Leia? Será que Thelma & Louise conseguirão escapar impune do crime que cometeram?

3. RECUSA DO CHAMADO
É normal qualquer herói sentir medo após se chamado à aventura. Luke recusa ir a Alderan ajudar a princesa Leia. Nas comédias românticas o herói pode relutar em deixar-se envolver.
Quando o herói recusa, é necessário que em algum momento surja alguma influência para que vença esse medo. Pode ser um encorajamento do mentor; uma nova mudança na ordem natural das coisas. Quanto maior for o medo do herói para embarcar na aventura, maior será o vínculo emocional do espectador.
Quando Luke recusa o chamado de Ben Kenoby e volta para casa, vê seus tios mortos pelas tropas do império. Com isso, Luke não hesita mais e determina-se a embarcar na aventura com Ben. A recusa do chamado acontece sempre no início da história? NÃO. Lembre-se que o mapa da jornada deve ser moldado ao propósito da história. Em O Retorno de Jedi o mocinho Luke fica recusando o chamado de enfrentar Vader desde os 45 minutos de filme até mais ou menos os 75 minutos.

4. ENCONTRO COM O MENTOR
Nesse ponto da história o herói já deve ter encontrado um mentor. A relação entre o mentor e o herói é um dos temas mais comuns na mitologia. Representa o vínculo entre pai e filho, mestre e discípulo, Deus e o ser humano. Um dos mais famosos mentores é o Mago Merlin da história do Rei Arthur e os cavaleiros da távola rendonda. Nos filmes o mentor pode aparecer como um sábio Jedi (Guerra nas Estrelas), um sargento exigente (A Força do Destino), ou mesmo o código de honra e moral do herói (os personagens de John Wayne).
A função do mentor é preparar o herói para enfrentar o desconhecido quando ele atravessar o primeiro limiar. Ben Kenoby instrui Luke sobre os caminhos da Força. O mentor pode ensinar ou até mesmo dar "presentes", como o velhinho agente Q nos filmes de James Bond.
O mentor só pode ir até certo ponto com o herói. Em certo ponto da história, o herói deve ir sozinho ao encontro do desconhecido. Algumas vezes, para isso, mentor pode dar um empurrãozinho ou até mesmo um belo chute na bunda.
Importante frisar um herói pede ter vários mentores.

5. TRAVESSIA DO PRIMEIRO LIMIAR
Finalmente o herói se compromete com sua aventura e entra plenamente no mundo especial ao efetuar a travessia do primeiro limiar. Dispõe-se a enfrentar o desafio do chamado à aventura. Este é o momento em que a história decola e a aventura realmente inicia. È o Ponto de Virada (Plot Point do paradigma de Syd Field). A partir desse ponto o herói não tem mais como voltar atrás. É o momento em que Luke e Ben vão à cantina procurar por um piloto (Han Solo) para levá-los a Alderan.

6. TESTES, ALIADOS E INIMIGOS
No momento em que o herói entra no mundo especial, encontra novos desafios, teste, faz aliado e luta contra inimigos. Os bares são muito úteis para essa etapa da jornada. Luke e Ben são testados, fazem aliado e enfrentam inimigo na cantina.
Essa etapa da jornada pode se repetir várias vezes durante a história, ainda mais se for um filme de ação propriamente dito. Nesses filmes o herói é testado a todo o momento, tem inimigos por toda parte e recorrem à ajuda de aliado em diversos momentos da história.

7. APROXIMAÇÃO DA CAVERNA OCULTA
Aqui o herói chega a fronteira de um lugar perigoso onde está o objeto de sua busca. Pode ser o quartel general de seu maior inimigo, como a Estrela da Morte. A caverna oculta é o ponto mais ameaçador do mundo especial. Quando o herói entra nesse lugar temível, ele atravessa o segundo limiar.
Nas histórias do Rei Arthur a caverna oculta é a Capela Perigosa onde se encontra o cálice graal. Em Indiana Jones e a Última Cruzada a caverna oculta é o templo onde estão aquelas dezenas de cálices e um deles é o graal.
A aproximação compreende todas as etapas para entrar na Caverna e enfrentar a morte ou o perigo supremo.

8. A PROVAÇÃO SUPREMA
A provação suprema é momento crítico nas histórias. O herói enfrenta a possibilidade de morte. Em Guerra nas Estrelas esse é o momento em que Luke, Han e Leia ficam presos no compactador de lixo.
Na provação suprema o herói tem que morrer para renascer em seguida. Você pode interpretar isso ao pé da letra ou metaforicamente. Neo, em Matrix, é surrado pelo agente Smith, e foge para não morrer. Nas comédias românticas essa morte é o fim de um relacionamento amoroso e o renascimento pode ser a retomado de um namoro.
Em O Exterminador do Futuro II, o T-800 é "morto" pelo T-1000, que lhe crava uma estaca metálica na costa. Momentos depois, o T-800 "renasce".

9. RECOMPENSA
Após sobreviver a morte, derrotar o dragão e salvar a princesa, o herói e o espectador têm motivos para celebrar. O herói, então, pode se apossar do tesouro que veio buscar, sua recompensa. Pode ser uma arma especial, um símbolo como o cálice graal, ou ainda simplesmente o ganho de experiência, sabedoria e/ou reconhecimento.
Nas comédias românticas pode ser a reconciliação do casal. Em O Retorno de Jedi é reconciliação entre Luke e Vader, pai e filho. Dorothy escapa do castelo da Bruxa Malvada com a vassoura da bruxa e os sapatos de rubis. O T-800, John e Sarah conseguem capturar o chip e o braço mecânico que futuramente servirão para a construção de exterminadores.

10. CAMINHO DE VOLTA
O caminho de volta é onde começa o terceiro ato da história. O herói ainda está no mundo especial e corre perigo. As forças do mal se reorganizam e prepara um último ataque, a batalha final.
Luke, Leia e Han são perseguidos pela força do Império após fugir da estrela da morte. John, T-800 e Sarah fogem do T-1000. Esta etapa da jornada marca a decisão de voltar ao Mundo Comum. Mas a volta será difícil.

11. RESSURREIÇÃO
O herói deve "renascer" e assim se purificar antes de voltar ao mundo comum. Pode até ser um segundo momento de vida e morte, ainda mais intensa que a provação suprema. Essa etapa é uma espécie de examina final do herói, para ver se realmente aprendeu as lições.
O herói se transforma graças a esse momento de morte e renascimento e assim pode voltar a vida comum como um novo ser, mais evoluído, experiente, com um novo entendimento. Quantas vezes, nós em nossas vidas reais, não sofremos um acidente, corremos perigo ou coisa semelhante e, após sobreviver a esse apuro, nos sentimos mais vivos, vemos tudo com cores diferentes, nos sentimos mais leves, PUROS? Se o herói não se limpar de toda sujeira, corrupção, ódio e sangue do mundo especial ele pode voltar com sérios problemas psicológicos para o mundo comum. Isso aconteceu com os soldados americanos quando retornaram da guerra do Vietnã.
Em Guerra nas Estrelas a nave de Luke quase é destruída pela nave de Vader, só que Han Solo o salva no último momento e Luke destrói a Estrela da Morte. A Ressurreição é o último momento de perigo para o herói e, por isso, deve ser o mais forte e que o leva mais próximo da morte.
Neo, em Matrix, morre quase ao final do filme e ressuscita como o "escolhido", um novo ser purificado. Chris, em Platoon, está para ser morto pelo sargento Barnes quando um avião lança uma bomba perto deles. Uma enorme explosão. A tela fica branca. Na cena seguinte, vemos Chris caído no chão. Pensamos que ele está morto, mas momentos depois, ele acorda vivo.
É importantíssimo que após essa etapa o herói adquira uma nova personalidade, menos egoísta, mais experiente e sábio. Ele deve deixar para traz toda a impureza, todo o trauma do mundo especial e somente guardar para si a experiência e sabedoria adquirida.

12. RETORNO COM O ELIXIR
O herói retorna ao mundo comum, mas toda a jornada não tem o menor sentido se ele não trouxer consigo um elixir. Vou explicar o que é um elixir. Elixir é uma poção mágica com poder de cura. É o que Indiana Jones usa para curar o seu pai em A Última Cruzada. Pode ser um grande tesouro como o cálice graal, ou simplesmente um conhecimento ou experiência que poderá ser útil à comunidade ou a si mesmo. Muitas vezes, o elixir é simplesmente um amor conquistado, liberdade de viver ou à volta para casa com uma boa história para contar.

Em resumo:
O herói é apresentado no mundo comum, onde recebe um chamado à aventura. Primeiro recusa o chamado, mas num encontro com o mentor é encorajado a fazer a travessia do primeiro limiar e entrar no mundo especial, onde encontra teste, inimigos e aliados. Na aproximação da caverna oculta, cruza um segundo limiar onde enfrenta a provação suprema. Ganha sua recompensa e é perseguido no caminho de volta ao mundo comum. Cruza então o terceiro limiar, experimenta uma ressurreição e é transformado pela experiência. Chega então o momento do retorno com e elixir, a benção ou tesouro que beneficia o mundo comum.
O Poder do Mito de Joseph Campbell
Quanto mais estudo mitologia, mais estou certo de que pode ser usada nas artes dramáticas, sobretudo no roteiro de cinema; para a criação de personagens, narrativa, aumentar o envolvimento com o público e muito mais. A mitologia pode até mesmo ser usada em nossa vida cotidiana. O texto abaixo é um resumo, um apanhado geral da maravilhosa entrevista relatado no livro O Poder do Mito.

Um de nossos problemas, hoje em dia, é que não estamos familiarizados com a literatura do espírito. Estamos interessados nas notícias do dia e nos problemas práticos do momento. Antigamente, o campus de uma universidade era uma espécie de área hermeticamente fechada, onde as notícias do dia não se chocavam com a atenção que você era estimulado a ter em se dedicar à vida interior, no aprender, e onde não se misturava com a magnífica herança humana que recebemos de Platão, o Buda, Goethe e outros, que falam de valores eternos e que dão o real sentido à vida.
As literaturas grega e latina e a Bíblia costumavam fazer parte da educação de toda gente. Tendo sido surprimidas, em prol de uma educação concorde com uma sociedade industrial, onde o máximo que se exige é a disciplina para um mercado de trabalho mecanicista, toda uma tradição de informação mitológica do ocidente se perdeu. Muitas histórias se conservavam na mente das pessoas, dando uma certa perspectiva naquilo que aconteciam em suas vidas. Com a perda disso, por causa dos valores pragmáticos de nossa sociedade industrial, perdemos efetivamente algo, porque não posuímos nada para por no lugar. Essas informações, provenientes de tempos antigos, têm a ver com os temas que sempre deram sustentação à vida humana, construíram civilizações e formaram religiões através dos séculos, e têm a ver com os profundos problemas interiores, com os profundos mistérios, com os profundos limiares de nossa travessia pela vida, e se você não souber o que dizem os sinais deixados por outros ao longo do caminho, terá de produzí-los por conta própria.
Grandes romances podem ser excepcionalmente instrutivos, porque a única maneira de você descrever verdadeiramente o ser humano é através de suas imperfeições. O ser humano perfeito é desinteressante. As imperfeições da vida, por serem nossas, é que são apreciáveis. E, quando lança o dardo de sua palavra verdadeira, o escritor fere. Mas o faz com amor. É o que Thomas Mann chamava "ironia erótica", o amor por aquilo que você está matando com a sua palavra cruel. Aquilo que é humano é que é adorável. É por essa razão que algumas pessoas têm dificuldade de amar a Deus; nele não há imperfeição alguma. Você pode sentir reverência, respeito e temor, mas isso não é amor. É o Cristo na cruz, pedindo ao Pai que afaste seu cálice de sofrimento, e que chora por Lázaro morto, que desperta nosso amor.
Aquilo que os seres humanos têm em comum se revela nos mitos. Eles são histórias de nossa vida, de nossa busca da verdade, da busca do sentido de estarmos vivos. Mitos são pistas para as potencialidades espirituais da vida humana, daquilo que somos capazes de conhecer e experimentar interiormente. O mito é o relato da experiência de vida.
A mente racional, analítica, o lado esquerdo do cérebro se ocupa do sentido, da razão das coisas. Qual é o sentido de uma flor? Dizem que um dia perguntaram isso ao Buda, e ele simplesmente colheu uma flor e a deu ao seu interlocutor. Apenas um homem compreendera o que Buda queria demonstrar. Racionalmente, não fazia sentido esse gesto. Ora, mas podemos fazer a mesma pergunta para algo maior: qual é o sentido do universo? Ou qual o sentido de uma pulga? A única resposta realmente válida está exatamente ali, no existir. Qualquer formulação racional nos dá uma idéia linear da coisa, mas mata a beleza da coisa em si. Estamos tão empenhados em realizar determinados feitos, com o propósito de atingir objetivos de um outro valor, linear e longe da vibração da vida, que nos esquecemos de que o valor genuíno, o prodígio de estar vivo, é o que de fato conta. É por isso que as grandes questões filosóficas, embora sejam de fundamental importância para todos, acabam sendo a preocupação de apenas uma ínfima minoria da população. Eles esqueceram de que o valor genuíno, o prodígio de estar vivo, é o que de fato conta, e preferem se acomodar aos papeis de uma vida burguesa e adaptada ao sistema capitalista, deixando que outros, atualmente os políticos e os cientistas, tomem as decisões mais complexas por eles. Mas todos já foram crianças curiosas, não foram? A curiosidade infantil é a mesma curiosidade do filósofo. Cristo está certo quando fala que só "quem se faz como um destes pequeninos, entrará no Reino dos céus". Bom, e como podemos resgatar um pouco de nosso grande potencial humano? Lendo mitos. Eles ensinam que você pode se voltar para dentro. Busque-os e você começa a entender as suas mensagens. Leia mitos de outros povos, pois lendo mitos alheios você começara a perceber que alguns enredos são universais. Por exemplo, a lenda do Graal. A busca dos caveliros do Rei Arthur pelo Graal representa o caminho espiritual que devemos fazer e que se estende entre pares de opostos, entre o perigo e a bem-aventurança, entre o bem e o mal, pois não há nada de importante na vida que não exija sacrifícios e algum perigo.
O tema da história do Graal diz que a terra está devastada, e só quando o Graal for reencontrado poderá haver a cura da terra. E o que caracteriza a terra devastada? É a terra em que todos vivem uma vida inautêntica, fazendo o que os outros fazem, fazendo o que são mandados fazer, desprovidos de coragem para uma vida própria. Esquecem-se que são seres únicos, cada indivíduo sendo uma pessoa diferente das demais. A beleza de uma terra rica está exatamente na convivência dos diferentes, não na mistura deles. Se tivermos um lugar ou uma era em que todos se alienam e fazem a mesma coisa, temos a terra devastada: "Em toda a minha vida nunca fiz o que queria, sempre fiz o que me mandaram fazer".
O Graal se torna aquilo que é logrado e conscientizado por pessoas que viveram suas próprias vidas. O Graal representa (simboliza) o receptáculo das realizações das mais altas potencialidades da consciência humana.
O rei que inicialmente cuidava do Graal, por exemplo, era um jovem adorável, mas que, por ainda ser muito jovem e cheio de anseios de vida, acabou por tomar atitudes que não se coadunavam com a posição de rei do Graal. Ele partiu do castelo com o grito de guerra "Amor!", o que é próprio da juventude, mas que não se coaduna com a condição de ser rei do Graal. Ele parte do castelo e, quando cavalgava, um muçulmano, um não cristão, surgiu da floresta (a floresta representando o nível desconhecido do nosso psiquismo). Ambos erguem as lanças e se atiram um contra o outro. A lança do rei Graal mata o pagão, mas a lança do pagão castra o rei Graal.
O que isto quer dizer é que a separação que os padres da igreja fizeram entre matéria e espírito (já que Jesus sempre se referia ao Reino como um campo em que um semeador saiu a semear, ou uma rede atirada ao mar, ou a uma festa de núpcias, ou sobre as aves do céu e os lírios do campo, está claro que esta divisão pré-cartesiana foi fruto da mentalidade patriarcal dos pais da igreja, não do Cristo), entre dinamismo da vida e o reino do espírito, entre a graça natural e a graça sobrenatural, na verdade castrou a natureza. E a mente européia, a vida européia, tem sido emasculada por essa separação. A verdadeira espiritualidade, que resultaria da união entre matéria e espírito, tal como era praticada pelos Druidas, foi morta. O que representava, então, o pagão? Era alguém dos subúrbios do Éden. Era um homem que veio da floresta, ou seja, da natureza mais densa, e na ponta de sua lança estava escrita a palavra "Graal". Isso quer dizer que a natureza aspira ao Graal. A vida espiritual é o buquê, o perfume, o florescimento e a plenitude da vida humana, e não uma virtude sobrenatural imposta a ela. Desse modo, os impulsos da natureza são sagrados e dão autenticidade à vida. Esse é o sentido do Graal: Natureza e espírito anseiam por se encontrar uma ou outro, numa atitude holística. E o Graal, procurado nestas lendas românticas, é a reunião do que tinha sido divido, o seu encontro simboliza a paz que advém da união.
O Graal que é encontrado se tornou o símbolo de uma vida autêntica, vivida de acordo com sua própria volição, de acordo com o seu próprio sistema de impulsos, vida que se move entre os pares de opostos, o bem e o mal, a luz e as trevas. Uma das versões da lenda do Graal começa citando um breve poema: "Todo ato traz bons e maus resultados". Todo ato na vida desencadeia pares de opostos em seus resultados. O melhor que temos há fazer é pender em direção da luz, na direção da harmonia entre estes pares, e que resulta da compaixão pelo sofrimento, que resulta de compreender o outro. É disso que trata o Graal. É isso o que Buda quis dizer por tomar o caminho do meio. É isso o que significa estar crucificado entre o bom e o mau ladrão e ainda orar ao Pai...
Histórias ou contos de fadas são histórias com motivos mitológicos desenhadas especialmente para as crianças. Elas freqüentemente falam de uma menininha no limiar da passagem da infância para a descoberta da sexualidade. É por isso que chapeuzinho vermelho veste uma capa vermelha. Algo nela exige, sem que ela queira, que ela faça o percurso pelo meio da floresta (nosso lar de origem, onde se esconde nosso instinto), até chegar à casa da vovó (a cultura tradicional que devemos respeitar). Chapeuzinho está em fase de transição. A capa vermelha lembra o sangue da menstruação. A jovem é algo muito atraente para o Lobo. Ainda hoje dizemos que um homem apaixonado e desejoso por uma mulher é um lobo. E ela não pode evitar conversar com o Lobo no meio do caminho. O Lobo a atrai também. Na história original, chapeuzinho se transforma numa loba, ela sabe que a velha cultura repressora deve ser morta para que ela possa sentir o que deseja. Ela entende o sofrimento do lobo.
Uma outra história semelhante é a da Bela Adormecida. Ao completar dezesseis anos, a princesa parece hesitar diante da crise da passagem da infância à idade adulta e se sente atraída a furar o dedo na roca que a fará adormecer. Enquanto dorme, o príncipe ultrapassa todas as barreiras que ela, sem querer, levantou contra a sua maturação e vem oferecer a ela uma boa razão para aceitar crescer. O beijo mostra que crescer, ao final de contas, tem seu lado agradável. Todas aquelas histórias coletadas pelos irmãos Grimm representam a menininha paralisada. Todas aquelas matanças de dragões e travessias de limiares têm a ver com a ultrapassagem da paralisação, com a superação dos demônios internos.
Os rituais das "primitivas" cerimônias de iniciação têm sempre uma base mitológica e se relacionam ou à eliminação do ego infantil quando vem à tona o adulto, ou visa à por a prova o iniciado aos próprios medos e demônios internos. No primeiro caso, a coisa é mais dura para o menino, já que para a menina a passagem se dá naturalmente. Ela se torna mulher quer queira ou não, mas o menino, primeiro, tem de se separar da própria mãe, encontrar energia em si mesmo, e depois seguir em frente. É disso que trata o mito do "Jovem, vá em busca de seu pai". Na Odisséia, Telêmaco vive com a mãe. Quando completa vinte anos, Atena vem a ele e diz: "Vá em busca de seu pai". Este é o tema em todas as histórias. Às vezes é um pai místico, mas às vezes, como na Odisséia, é o pai físico.
O tema fundamental nos mitos é e sempre será a da busca espiritual. Vemos que nas vidas dos grandes Mestres espirituais da Humanidade sempre nascem lendas e mitos ligados a eles, figuras históricas reais. A história real de Jesus, por exemplo, parece representar uma proeza heróica universal. Primeiro, ele atinge o limite da consciência do seu tempo, quando vai a João Batista para ser batizado. Depois, ultrapassa o limiar e se isola no deserto, por quarenta dias. Na tradição judaica, o número 40 é mitologicamente significativo. Os filhos de Israel passaram quarenta anos no cativeiro, Jesus passou quarenta dias no deserto. No deserto, Jesus sofreu três tentações. Primeiro, a tentação econômica, quando o Diabo diz: "Você parece faminto, meu jovem! Por que não transformar estas pedras em pão?" Depois vem a tentação política. Jesus é levado ao topo da montanha, de onde avista as nações do mundo, e o Diabo diz: "Tudo isto te darei, se me adorares", que vem a ser uma lição, ainda não compreendida hoje, sobre o quanto custa ser um político bem-sucedido. Jesus recusa. Finalmente o Diabo diz: "Pois bem, já que você é tão espiritual, vamos ao topo do templo de Herodes e atira-te lá embaixo. Deus o acudirá e você não ficará sequer machucado". Isto é conhecido como enfatuação espiritual. Eu sou tão espiritual que estou acima das preocupações da carne e acima deste mundo. Mas Jesus é encarnado, não é? Então ele diz: "Você não tentará o senhor, teu Deus". Essas são as três tentações de Cristo, tão relevantes hoje quanto no ano 30 de nossa era.
O Buda, também, se dirige à floresta e lá entretêm conversações com os gurus da época. Então os ultrapassa e, após um período de provações e de busca, chega à árvore boddhi, a árvore da iluminação, onde igualmente enfrenta três tentações (isso quinhentos anos antes de Cristo). A primeira tentação é a da luxúria, a segunda, a do medo e a terceira, a da submissão à opinião alheia.
Na primeira tentação, o Senhor da Luxúria exibe suas três belíssimas filhas diante de Sidarta. Seus nomes são Desejo, Satisfação e Arrependimento - passado, presente e futuro. Mas o Buda, que já se havia libertado do apego a toda a sensualidade, não se comoveu.
Então o Senhor da Luxúria se transformou no senhor da Morte e lançou contra Sidarta, o Buda, todas as armas de um exército de monstros. Se Sidarta se apavorar, todas as armas se materializariam. Mas o Buda tinha encontrado em si mesmo aquele ponto imóvel, interior, o self, como diria Jung, que pertence à eternidade, intocado pelo tempo. Uma vez mais não se comoveu e as armas atiradas se transformaram em flores de reverência.
Finalmente, o Senhor da Luxúria e da Morte se transformou no temível Senhor dos Deveres Sociais, e perguntou: "Meu jovem, você não leu os jornais da manhã de hoje? Não sabe o que há para ser feito?" A resposta do Buda foi simplesmente tocar o chão com as pontas dos dedos da sua mão direita. Então a voz da deusa-mãe/deus-pai do universo se fez ouvir no horizonte, dizendo: "Este aqui é meu filho amado, e já se doou de tal forma ao mundo que não há mais ninguém aqui a quem dar ordens. Desista dessa insensatez." Enquanto isso, o elefante, no qual estava o Senhor dos Deveres Sociais, curva-se em reverência ao Buda e toda a côrte do Antagonista se dissolveu, como num sonho. Naquela noite, o Buda atingiu a iluminação e permaneceu no mundo, pelos cinqüenta anos seguintes, ensinando o caminho da extinção dos grilhões do egoísmo.
Pois bem, as duas primeiras tentações - a do desejo e a do medo - são as mesmas que Adão e Eva parecem ter experimentado, de acordo com o extraordinário quadro de Ticiano, concebido quando o pintor estava com noventa e quatro anos de idade. A árvore é o mitológico aix mundi, aquele ponto em que tempo e eternidade, movimento e repouso, são um só, e ao redor do qual revolvem todas as coisas. Ela aparece ali, representada apenas em seu aspecto temporal, como a árvore do conhecimento do bem e do mal, ganho e perda, desejo e medo. À direita está Eva, que vê o Tentador sob a forma de uma criança, oferecendo-lhe a maçã, e ela é movida pelo desejo. Adão, do lado oposto, vê os pés monstruosos do tentador ambicioso, e é movido pelo medo. Desejo e medo: eis as duas emoções pelas quais é governada toda a vida na terra. O desejo é a isca, a morte é o arpão.
Adão e Eva se deixaram tocar; o Buda, não. Adão e Eva deram origem à vida e foram estigmatizados por Deus; o Buda ensinou a libertar-se do medo de viver.
No filme de George Lucas, Guerra nas Estrelas, o vilão Darth Vader representa uma figura arquetípica. Ele é um monstro porque não desenvolveu a própria humanidade. Quando ele retira a sua máscara, o que vemos é um rosto informe, de alguém que não se desenvolveu como indivíduo humano. Ele é um robô. É um burocrata, vive não nos seus próprios termos, mas nos termos de um sistema imposto. Este é o perigo que hoje enfrentamos, como ameaça às nossas vidas. O sistema vai conseguir achatá-lo e negar a sua própria humanidade, ou você conseguirá utilizar-se dele para atingir seus propósitos humanos? Como se relacionar com o sistema de modo a não o ficar servindo compulsivamente? O que é preciso é aprender a viver no tempo que nos coube viver, como verdadeiros seres humanos. E isso pode ser feito mantendo-se fiel aos próprios ideais, como Luke Skywalker no filme, rejeitando as exigências impessoais com que o sistema pressiona. Ainda que você seja bem sucedido na vida, pense um pouco: Que espécie de vida é essa? Que tipo de sucesso é esse que o obrigou a nunca mais fazer nada do que quis, em toda a sua vida? Vá aonde seu corpo e a sua alma desejam ir. Não deixem que escolham por você. Quando você sentir que encontrou um caminho, que é por ali, então se mantenha firme no caminho que você escolheu, e não deixe ninguém desvia-lo dele.
Você poderá dizer: "isso é ótimo para a imaginação de um George Lucas ou para as teorias de um Joseph Campbell, mas não é o que acontece em minha vida".
Errado! Você pode apostar que acontece, sim - e se a pessoa não for capaz de reconhece-lo, isso poderá transforma-lo num Darth Vader. Se o indivíduo insiste num determinado programa e não dá ouvidos ao próprio coração, corre o risco de um colapso esquizofrênico. Tal pessoa colocou-se a si mesma fora do centro, alistou-se num programa de vida que não é, em absoluto, aquilo em que o corpo está interessado. O mundo está cheio de pessoas que deixaram de ouvir a si mesmos, ou ouviram apenas os outros, sobre o que deviam fazer, como deviam se comportar e quais os valores segundo os quais deveriam viver. Mas qualquer um tem potencialidade para correr e salvar uma criança. Está no interior de cada um a capacidade de reconhecer os valores da vida, para além da preservação do corpo e das ocupações do dia-a-dia.
Os mitos estimulam a tomada de consciência da sua perfeição possível, a plenitude da sua força, a introdução da luz solar no mundo. Destruir monstros é destruir coisas sombrias. Os mitos o apanham, lá no fundo de você mesmo. Quando menino, você os encara de um modo. Mais tarde, os mitos lhe dizem mais e mais e muito mais. Quem quer que tenha trabalhado seriamente com idéias religiosas ou míticas sabe que, quando crianças, nós as aprendemos num certo nível, mas depois outros níveis se revelam. Os mitos estão muito perto do inconsciente coletivo, e por isso são infinitos na sua revelação.
Caracterização do personagem
Quando você programa seus personagens para servirem aos propósitos da história, eles saem rasos, sem vida e estereotipados. A caracterização dos personagens e a histórias são coisas independentes. A única relação entre elas é o objetivo dos personagens. E o objetivo, ou seja, o que o personagem quer, é o que acaba por caracterizar o personagem.
Pelo objetivo dos personagens é que conseguimos entender suas atitudes durante a história. Em Rocky, um lutador, o objetivo do personagem principal é ser bom o bastante para entrar no ringue com o campeão dos pesos pesados. Em Guerra nas Estrelas o objetivo de Bem Kenoby é salvar a princesa Léia Em O Império Contra-Ataca o objetivo de Darth Vader é destruir o protagonista Luke Skywalker.
Há também uma outra maneira de caracterizar um personagem, uma maneira um tanto superficial, ao meu ver. Linguagem, vícios, modo de se vestir, condições físicas, etc, são formas de caracterizar um personagem. ATENÇÃO, não se deve confundir caracterização com características. Dizer que um personagem é gordo e cabeludo não diz coisa alguma ao seu respeito. Mas tudo se justifica se o personagem tem uma atitude em relação ao seu atributo, por exemplo, Cyrano de Bergerac por ter o nariz grande. O narizão de Cyrano faz parte de sua personalidade; seu jeito durão e seu complexo de inferioridade.
Ter objetivo que ajude na caracterização não é coisa apenas para o personagem protagonista. Outras figuras importantes da história devem ter seus próprios desejos, de sucesso, de superar outros personagens, o que faz a história mais conflitante e intensa.
A enfermeira Ratched quer dominar todos os homens sob sua responsabilidade em Um Estranho no Ninho. É o conflito entre ela e o protagonista que cria a história, além de revelar a personalidade de ambos. Deve-se imaginar que todos os personagens da história não sabem quem é o personagem protagonista e o antagonista da mesma. Cada personagem é a figura principal de sua própria vida e assim se comporta.
Ação é comportamento. É muito mais eficaz caracterizar um personagem com ações e objetivos do que com simples características físicas e/ou psicológicas. Lembrando-se que é muito válido unir ambos os casos, com em Cyrano de Bergerac.

Diálogo
Muitas vezes um principiante na arte de escrever roteiros exagera na quantidade de diálogos. Simplesmente se esquece que cinema é uma arte visual. A imagem sempre deve ser mais importante que o som.
Um roteiro com muitos diálogos sempre é ruim? Não, de forma alguma. Doutor Fantástico e Noivo Neurótico e Noiva Nervosa são dois excelentes roteiros recheados de diálogos. A questão é que quando num filme há diálogos demais, o espectador passa a frente dos acontecimentos e, tudo que lhe resta, é aguardar a história chegar no seu nível de conhecimento. Por isso o diálogo sempre deve levar a história para frente. Sempre deve ter um propósito na trama. Se um determinado diálogo não faz qualquer diferença para a história que estamos contando, certamente devemos cortá-lo.
Um bom diálogo deve ter as seguintes características.
1. Caracterizar o personagem que o diz.
2. Ser coloquial, manter a individualidade do personagem que o diz e, ao mesmo tempo, fundir-se no estilo geral do roteiro.
3. Refletir o estado de espírito do personagem que o diz.
4. Algumas vezes, revelar as motivações de quem o diz ou uma tentativa de ocultas suas motivações.
5. Refletir o relacionamento de quem o diz com os outros personagens.
6. Ser conectivo, ou seja, brotar de uma outra fala ou ação anteriores e desembocar em outras.
7. Levar a ação adiante.
8. Algumas vezes, fazer exposições.
9. Algumas vezes, prenunciar o que está por vir.
10. Deve ser claro e inteligível ao público alvo do filme.

Registre seu roteiro
O registro permite o reconhecimento da autoria, especifica direitos morais e patrimoniais e estabelece prazos de proteção tanto para o titular quanto para seus sucessores.
Há várias maneiras de se registrar uma obra intelectual. Cada país tem sua legislação que determina os procedimentos para ter o direito autoral sobre uma determinada obra intelectual. Por exemplo, as leis dos Estados Unidos são mais liberais e descentralizados que as nossas. Syd Field cita em seu livro "O MANUAL DO ROTEIRO" que basta comprovar a data de origem da realização da obra intelectual para possuir os direitos autorais, segundo as leis americanas. Com isso ele sugere enviar um "sedex" para si mesmo e não romper o lacre. Isso não é válido na legislação brasileira, que requer um órgão autorizado por lei, no caso a Biblioteca Nacional.
Agora vamos estudar os procedimentos para o registro de uma obra intelectual junto a Biblioteca Nacional.
A formalização do pedido de registro deve ser feita através do formulário Requerimento para Registro e/ou Averbação, de acordo com as normas estabelecidas pelo EDA. O modelo do formulário deverá ser preenchido preferencialmente datilografado ou em letra de fôrma, obedecendo às instruções, e enviado pelo correio.
Também podemos fazer o registro na Writer's Guilde of America (WGA - Associação dos Escritores da América). A WGA presta um serviço de registro que provê evidência da autoria de material literário pelo escritor na data de registro. Há uma taxa padrão e um taxa menor para sócios a ser paga. A WGA pega uma cópia limpa do seu roteiro, copia-a em microfilme e armazena em local seguro por 10 anos. Seu recibo é a evidência de que você escreveu o material.

Para mais informações sobre registro na EDA acesse: www.bn.br
Para mais informações sobre registro na WGA acesse: www.wga.org

Dica, visite o site www.finaldraft.com tem programa gratuito para elaborar roteiros cinematográficos. É show de bola...
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Michael Glassman -Outlaw Films

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