sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008
GERCHMAN
Irônico cronista da vida das cidades grandes
(jornal A Tarde Cultural - sábado, 16/02/2008)
Às vésperas do carnaval, a festa que tanto seduziu os integrantes do tropicalismo, morreu um de seus mentores, o artista plástico carioca Rubens Gerchman. Presença significativa nas bienais da Bahia, na condição de artista experimental nos conturbados anos de 1960, sua última exposição em Salvador foi no Museu de Arte Moderna, em 2002. Neste momento, me vem à mente muitas recordações de nossos encontros, como a exposição Universo de Futebol, organizada pelo crítico Frederico Morais, em 1982, no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, onde participamos juntos com duas instalações que representavam momentos diferentes, o trabalho do Gerchman, um campo de futebol, colorido, vibrante e a torcida alegre, eufórica pintada na parede do museu. A minha instalação, também um campo de futebol solitário, com uma única trave no centro, sem cor, frio e sem torcida, em sintonia com a arte conceitual. Um diálogo tenso e cordial de dois procedimentos distintos das artes plásticas que um bom trabalho de curadoria pode proporcionar.
Na matéria prima de sua produção gráfica sempre dominou o cotidiana da vida social brasileira, a periferia, a violência e o erotismo das grandes cidades, em especial do Rio de Janeiro. A classe média, o subúrbio carioca, a publicidade e as imagens da televisão eram destilados em uma linguagem pictórica com uma gestualidade espontânea, liberdade cromática e um vigor narrativo. Muitas vezes acrescentava frases irônicas nas suas imagens, para reforçar a crítica ao social e o experimentalismo na arte.
Da NOVA OBJETIVIDADE, mostra realizada no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro em 1967, idealizada e conceituada por Hélio Oiticica, artista plástico ligado ao Neoconcretismo, com o objetivo de formular uma arte brasileira de vanguarda que fizesse frente aos movimentos internacionais, a exemplo da Op e Pop Arte, surgiu a Tropicália. Gerchman foi um dos que desencadearam o movimento tropicalista nas artes plásticas. Comprometido com as novas experiências artísticas que agitavam o meio cultural nos principais centros urbanos do mundo, realizou os primeiros happenings no Brasil. Sua pintura Lindonéia ou Gioconda do Subúrbio, mas do que uma ironia é um símbolo não só da arte de vanguarda brasileira, como também do momento histórico que vivia o País.
Quarenta anos atrás, em 1968, foi lançado o disco Tropicália (ou Panis et Circensis) que inaugurava o tropicalismo na música popular, Gerchman não era somente o autor da capa do disco manifesto, sua pintura A Bela Lindonéia, de 1966, foi transformada em prosa e verso na composição de Caetano Veloso e Gilberto Gil, cheia de imagens da violência social e policial, como uma colagem cubista. Um bolero melancólico na voz de Nara Leão. Ao lado de Hélio Oiticica e Lygia Clark, desenhou a estética tropicalista investigou novas formas e novos materiais, se apropriou da linguagem dos meios de comunicação de massa para desenvolver uma arte coerente com as condições de seu tempo.
A obra de Gerchman, é uma das principais referências da vanguarda brasileira da segunda metade da década de 1960 com a marca da nova figuração, politicamente engajada, utilizando como tema de suas pinturas imagens da periferia, da alienação popular para reagir à censura do regime político pós 1964. Concursos de miss, times de futebol, desaparecidos e novelas de TV aparecem nas suas pinturas, desenhos, objetos e instalações.
Esse retorno à figura, não quer dizer uma arte figurativa, e sim, uma apropriação de imagens, como na Pop Art, com a qual O trabalho de Gerchman dialoga. Pode ser visto também como uma resposta à nova realidade urbana do Brasil e uma tomada de posição em relação a problemas políticos, sociais e éticos, sem desprezar a realidade da política pictórica. Cores fortes, composições dramáticas, expressionistas. Utilizou a cultura visual kitch para instigar a sociedade de consumo e o regime militar com seus atos institucionais que reprimia cada vez mais os cidadãos. Um realismo que critica a sociedade moderna e suas contradições.
Essa vanguarda rompeu com a hegemonia do projeto construtivo, problematizou o circuito e reafirmou as proposições duchampianas. Uma arte mais debochada, explorando o aleatório, o eventual, a função da arte naquele momento de repressão e da crise das vanguardas que começava a esboçar um limite para modernidade. Gerchman fez parte de uma geração que atravessou os muros da academia e se misturou ao cotidiano para politizar em sentido amplo a arte de vanguarda no Brasil. Uma arte alegre, urbana, comprometida com o desejo de liberdade, situada entre a seriedade e ordem do construtivismo da década de 1950 e a arte cerebral e fria que se destacou nos anos de 1970.
Almandrade (artista plástico, poeta, arquiteto e presidente da Associação de Artistas Visuais da Bahia)
Rubens Gerchman (Rio de Janeiro, 1942 – São Paulo, 29 de janeiro de 2008), estudou desenho no Liceu de Artes e Ofícios do Rio de Janeiro e começou a trabalhar como programador visual em revistas e editoras cariocas.
No início dos anos 60, sua arte era focada para os acontecimentos do cotidiano de forma expressionista. Sua arte, algumas vezes, vinha acompanhada de palavras e frases, que reforçavam as intenções da imagem reproduzida.
Em 1965 fez parte do Opinião 65 no MAM do Rio de Janeiro – participação essa, que lhe permitiu ser um dos mais importantes representantes da vanguarda carioca. Dois anos mais tarde, recebeu o prêmio de viagem ao estrangeiro do Salão Nacional de Arte Moderna e em 1968, partiu para Nova York onde aproveitou para refletir e aprimorar suas idéias artísticas. Em 1966 e 68 participou da 1ª e 2ª Bienal Nacional de Artes Plásticas em Salvador.
Na década de 70 se apresentou nos MAM's de São Paulo e Rio de Janeiro. Foi co-fundador e diretor da revista de vanguarda Malas Artes, transformou o academicismo, da Escola de Artes Visuais do Parque Lage (Rio de Janeiro), em um laboratório de inventividade.
Até o final da década de 70, seu olhar artístico era focado na vida urbana cotidiana e na solidão humana em seu meio urbano. Depois teve sua fase negra, com imagens sociais fortes. Após uma fase carregada de intensidade, ele perdeu (nos anos 80) sua agressividade e suas mais novas conquistas foram temas com razões críticas sociais. Em seguida, Gerchman se interiorizou buscando e alcançando inspirações de seu íntimo.
Participou de exposições nacionais e internacionais em diversas cidades do Brasil e em diversos países como Estados Unidos, México, França, Holanda, Colômbia, Argentina, Japão, Espanha, Canadá, Portugal, Alemanha, entre outros.
Lindonéia - Composição: Caetano Veloso/Gilberto Gil
Na frente do espelho
Sem que ninguém a visse
Miss
Linda, feia
Lindonéia desaparecida
Despedaçados
Atropelados
Cachorros mortos nas ruas
Policiais vigiando
O sol batendo nas frutas
Sangrando
Oh, meu amor
A solidão vai me matar de dor
Lindonéia, cor parda
Fruta na feira
Lindonéia solteira
Lindonéia, domingo
Segunda-feira
Lindonéia desaparecida
Na igreja, no andor
Lindonéia desaparecida
Na preguiça, no progresso
Lindonéia desaparecida
Nas paradas de sucesso
Ah, meu amor
A solidão vai me matar de dor
No avesso do espelho
Mas desaparecida
Ela aparece na fotografia
Do outro lado da vida
Despedaçados, atropelados
Cachorros mortos nas ruas
Policiais vigiando
O sol batendo nas frutas
Sangrando
Oh, meu amor
A solidão vai me matar de dor
Vai me matar
Vai me matar de dor
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário