terça-feira, 12 de maio de 2009
Frei Betto fala de ecologia interior e sociopolítica
Dentro das atividades programadas para o terceiro dia (29) do Fórum Social Mundial, em Belém – PA, Frei Betto falou da ecologia interior e diversas questões da ecologia sociopolítica que se constituem em problemas na atualidade. A seguir, apresentamos alguns dos principais tópicos abordados por ele.
Ecologia interior
Com base em seu mais recente livro “O amor fecunda o universo – ecologia e espiritualidade”, onde procura reler toda a tradição bíblica sobre a questão ecológica, Frei Betto disse que o corpo humano é uma miniatura de Gaia, o planeta em que vivemos. Nosso respirar é um beijo na boca da natureza, a qual nos dá o oxigênio e recebe o nosso gás carbônico. Chamou a atenção para a geografia do nosso corpo, formado – como a geografia do planeta – por rios, vales, montes, fontes e cavernas.
Adão e Eva são duas palavras hebraicas que significam respectivamente terra e vida. Com isso, a Bíblia quer dizer que a vida humana veio da terra. O universo emergiu há 14 bilhões de anos. Nós emergimos da criação divina e somos constituídos dos mesmos elementos de tudo o que existe no universo. A vida humana apareceu há cerca de oito milhões de anos. Somos um ser natural. Não existe o ser humano de um lado e a natureza de outro. Desse modo, não podemos separar o que jamais existiu separado.
Adiante, Frei Betto afirmou: “Sou um católico que todo dia rezo para que Deus me dê a graça de me converter a ser cristão e que, sendo cristão, eu seja humano. Conheço muitos católicos que não são cristãos e muitos cristãos que não são humanos. Na verdade, não existem valores cristãos ou evangélicos. Existem valores humanos que as tradições religiosas realçam para que criemos juízo. Amar, ter compaixão, ser solidário com o pobre, isso é humano. Não é cristão, budista, judaico ou islâmico”.
Todos nós temos duas falhas. A primeira é que fomos feitos com “prazo de validade”. A segunda é que temos defeito de fabricação, ao que a Bíblia chama de pecado original. Por isso precisamos uns dos outros para tentar ser cada vez mais humanos. Ser humano é lutar pela plenitude da vida de todos e todas e defender a vida de todo planeta.
Sempre aprendemos que Deus fez com a humanidade duas alianças: uma ética, no Antigo Testamento, com Moisés; e uma amorosa, no Novo Testamento, com Jesus. Falta resgatarmos uma terceira aliança, aquela que Deus fez no Gênesis, a ecológica. Assim, como Jesus disse que todo ser humano é sagrado, todo o planeta é sagrado. Engana-se quem acha que pode fazer preservação ambiental sem fazer luta de libertação dos pobres ou vice-versa. As duas coisas estão sempre unidas.
Ecologia física e social
A água é um bem escasso. De toda água do planeta, só 3% é potável. Desses 3%, 26% estão na Amazônia. O solo amazônico tem pouca profundidade e muitos minérios, como o de Carajás. Se o nível de desmatamento continuar, o futuro da Amazônia será o presente do deserto do Saara. Significa dizer que não vai produzir mais chuva para o Sul e o Norte das Américas.
Entre 1990 e 2006, o cultivo de soja na Amazônia cresceu 18%. Soja não dá sombra, nem água e nem abriga a biodiversidade existente aqui. Em 10 hectares tem mais de 10 mil espécies de vida vegetal e animal. É o milagre da vida sendo destruída pelas grandes empresas. De 1990 a 2006, o rebanho bovino cresceu 11%. Por ano, a Amazônia perde cerca de 20 mil Km² de florestas, o correspondente ao tamanho do Estado de Sergipe. Se o ritmo atual de desmatamento continuar, em 2030 a Amazônia terá perdido em florestas o correspondente a 22 Bélgicas. É um verdadeiro ecocídio.
A cada dia circulam na Amazônia 3.500 caminhões com madeira ilegal. As madeireiras pagam pelo metro cúbico R$ 25, madeira que é vendida na Europa ao valor equivalente a R$ 3.200. O Brasil é o segundo maior exportador mundial de madeira, sendo a maior parte de maneira ilegal.
Nos últimos 37 anos houve, na Amazônia, o desmatamento de 70 milhões de hectares. 70 mil hectares foram ocupados com a criação de gado. Os maiores produtores de carne do Brasil estão nos municípios onde há mais desmatamento. São eles: São Félix do Xingu, Conceição do Araguaia, Marabá, Redenção, Cumaru do Norte, Ourilândia e Palestina do Pará. 62% dos casos de trabalho escravo, no Brasil, ocorrem nestas fazendas.
O Brasil foi a última nação das três Américas a decretar a abolição oficial da escravatura. Somos uma nação miscigenada, o segundo país com maior população negra do mundo. Só a Nigéria tem mais população negra que o Brasil. A escravidão hoje é sofisticada. Funciona na base da promessa de trabalho fácil.
O homem e a mulher são “bichos ferozes”. É difícil domesticá-los. Eles matam, mentem, destroem a natureza e não se preocupam com as gerações futuras. Nascemos naturalmente capitalistas e crescemos na escola do capitalismo cada vez mais egoístas.
Somos o único bicho que come fora de hora. Todos os demais comem somente quando têm fome. Nós nos empanturramos porque fomos condicionados a ter hora para comer e não fome para comer. Depois nos queixamos que estamos gordos e com doenças.
Ecologia política
Estamos vivendo um momento único na América Latina, que é a emergência de governos democrático-populares. Há uma coisa nova acontecendo que eu chamo de terceiro período, afirmou Frei Betto. Da história recente da América do Sul, o primeiro período foi o mais trágico. Foi o período da ditadura militar, marcado por muita tortura, assassinatos e desaparecimentos.
Depois veio o ciclo neoliberal. Nossos países foram “redemocratizados” com a presença daquelas figuras “impolutas”, “imaculadas”, “éticas”, como foi o caso de Collor no Brasil, Menem na Argentina, Pérez na Venezuela e Pinochet no Chile. Nunca houve tanta corrupção!
Agora estamos no terceiro período, chamado democrático popular. Há muitas dificuldades, falhas e contradições. Por outro lado se verifica um grande avanço, considerando que todos esses governos que vieram das classes populares não fazem parte das elites tradicionais e, de alguma forma, procuram atender o direito dos pobres. Alguns têm coragem de fazer reformas de estrutura e implementar políticas emancipatórias. Outros, com mais medo dessas reformas, fazem reformas compensatórias.
Para que os governantes possam fazer reformas mais profundas dependem da pressão dos movimentos sociais populares. Frei Betto concluiu dizendo que é muito importante voltar ao trabalho de base e ao fortalecimento dos movimentos populares pelo método de Paulo Freire.
Dirceu Benincá – Revista Missões
Carlos Alberto Libânio Christo O.P., conhecido como Frei Betto, (Belo Horizonte, 25 de agosto de 1944) é um escritor e religioso dominicano brasileiro, filho do jornalista Antônio Carlos Vieira Christo e da escritora e culinarista Stella Libânio.
Professou na Ordem Dominicana, em 10 de fevereiro de 1966, em São Paulo.
Adepto da Teologia da Libertação, é militante de movimentos pastorais e sociais, tendo ocupado a função de assessor especial de Luiz Inácio Lula da Silva, Presidente da República, entre 2003 e 2004. Foi coordenador de Mobilização Social do programa Fome Zero. Além de amigo pessoal de Luís Inácio Lula da Silva e de Leonardo Boff, é padrinho da filha de Chico Buarque e do filho do deputado Vicentinho, ex-presidente da CUT.
Esteve preso por duas vezes sob a ditadura militar: em 1964, por 15 dias; e entre 1969-1973. Após cumprir 4 anos de prisão, teve sua sentença reduzida pelo STF para 2 anos. Sua experiência na prisão está relatada no livro Batismo de Sangue, traduzido na França e na Itália. O livro descreve os bastidores do regime militar, a participação dos frades dominicanos na resistência à ditadura, a morte de Carlos Marighella e as torturas sofridas por Frei Tito. O livro foi transposto para o cinema em filme homônimo, lançado em 2006 e dirigido por Helvecio Ratton.
Recebeu vários prêmios por sua atuação em prol dos direitos humanos e a favor dos movimentos populares. Assessorou vários governos socialistas, em especial Cuba, nas relações Igreja Católica-Estado.
Prêmios
Prêmio Juca Pato, 1985, com "Batismo de Sangue".
Prêmio Jabuti, da Câmara Brasileira do Livro, duas vezes: em 1982, pelo mesmo "Batismo de Sangue" e 2005, com "Típicos Tipos – perfis literários".
Intelectual do Ano, título dado pela União Brasileira de Escritores em 1986, por seu livro "Fidel e a Religião".
Prêmio de Direitos Humanos da Fundação Bruno Kreisky, em Viena, em 1987.
Melhor Obra Infanto-Juvenil, da Associação Paulista de Críticos de Arte, por seu livro "A noite em que Jesus nasceu", em 1988.
Troféu Sucesso Mineiro, em 1996, da Prefeitura Municipal de Belo Horizonte.
Prêmio Paolo E. Borsellino, na Itália, por seu trabalho em prol dos direitos humanos. Foi o primeiro brasileiro a receber o prêmio, concedido em maio de 1998.
Prêmio CREA/RJ de Meio Ambiente, em 1998, do CREA/RJ.
Medalha Chico Mendes de Resistência, concedida pelo Grupo Tortura Nunca Mais do Rio de Janeiro em 1998.
Troféu Paulo Freire de Compromisso Social em 2000.
Medalha da Solidariedade do governo cubano, em 2000.
Uma das 13 Personalidades Cidadania 2005, numa iniciativa da UNESCO, Associação Brasileira de Imprensa e jornal Folha Dirigida.
Medalha do Mérito Dom Helder Câmara do Instituto Cidadão, pelos serviços prestados na preservação e fiscalização da gestão pública moral e legal, em 2006.
Título de Cidadão Honorário de Brasília, em 2007, concedido pela Câmara Legislativa do Distrito Federal.
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