quinta-feira, 29 de novembro de 2007

Graça Ramos


Nasceu em Feira de Santana, 1948. Artista formada em Artes Plásticas pela UFBa. Se tornou Mestre em Artes Plásticas, em 1980, pela Pensylvania State University - EUA.

Em 1997, concluiu Doutorado em Belas Artes pela Escola de Belas Artes da Universidade de Sevilla - Espanha.

Participou de inúmeras exposições Coletivas e Individuais em salões nacionais e internacionais. Palestrou na "XII Jornada Universitária da Universidade Estadual de Feira de Santana", em 1997, Feira de Santana - BA e "Novas rupturas do suporte pictórico", em 1997, EBA da UFBA, BA, dentre outras.

Ingressa como professora da rede estadual e privada em Salvador no ano de 1972. Em 1975, se torna professora do Departamento de Pintura da EBA - UFBA.

Atualmente. Escreveu diversos livros didáticos, inclusive com publicações na Espanha e Estados Unidos.

Sua arte serviu como ilustrações para livros de: Antônio Sobrinho; Fernando Coelho; Regina Matos; Revistas Plages (França); e outros.

Escreveu críticas sobre trabalhos dos artistas: Rebello; Antonio Neto; Ana Maria; Lea Storch; Carlos França; Manoel Messiais; Nelson Magalhães Filho; Roberval Marinho; Rose Mary; Nelsinho Pastor Adêle Balazz; Gregorio Otero; Zau Pimentel; Else Coutinho; Jaiz Gabriel; Juarez Maranhão.

Seu nome é citado em Catálogos de Arte como: Catarsis - Concessionário de Arte - Madrid, Espanha; Expo Guia - 1998 - España Fim de Siglo - Museu de Antropologia de Madrid; Expo Catálogo del Arte - Madrid.

Tel.(71) 9972 7474
adm@expoart.com.br

gracaramos.blogspot.com

Gullar por ele mesmo - Graça Ramos

Especial para o Pensar

Experiência Neoconcreta: momento - limite da arte, de Ferreira Gullar, amplia leituras sobre a forma como ele lidou com a poesia visual, termo usado como denominação para poemas em que a imaginação plástica reforça a palavra.

Escrito em primeira pessoa, o depoimento resgata soluções e engenhos que o levaram a fazer obras em que o enigma alimenta-se também da complexidade do corpo do leitor.

Ao explicar e exemplificar os princípios que nortearam essa fase de sua produção, ocorrida na passagem dos anos 1950/1960, época em que cria livros-poemas e poemas espaciais, Gullar articula aproximações entre sua obra e a de outros artistas neoconcretos. Diz que Hélio Oiticica e Lygia Clark – os dois brasileiros mais valorizados no cenário internacional das artes – criaram obras referenciais, Bólides e Bichos, respectivamente, inspirados em trabalhos de sua autoria, Poema enterrado e Fruta.

No livro-depoimento, Poema enterrado teve o projeto fotografado e Fruta, que era inédito, se tornou encarte. Sob a forma de brochura com luva, o volume completa-se com um anexo de textos de Gullar publicados desde 1954 até 2003. Há ainda, também em encartes, fac-símile do catálogo da I Exposição Neoconcreta (1959), e dois outros livros-poemas, Osso e Faina.

A publicação desses poemas e as vinculações feitas pelo poeta sobre a contaminação que ocorreu entre seus trabalhos e os de Lygia e Oiticica fortalecem a interpretação de que a idéia do objeto livro teve importante “papel” na investigação de novas propostas estéticas e éticas para a arte brasileira. Originária do latim, liber, a palavra que designa o quinto secular instrumento da cultura – constantemente ameaçado e também reinventado – remete à membrana desdobrada da casca das árvores que era usada como suporte para a escrita.

Desde sempre, livros são objetos que sangram ao traspassar fronteiras entre linguagens: corpus-esculturas prolongados no tempo e no espaço. Sinestésico e onomatopéico, um livro se completa no tempo da leitura e na ação do manuseio, ao exigir muito da presença daquele que o maneja.

Os neoconcretistas operaram a recuperação do antigo para antecipar dimensões do contemporâneo. A mais importante delas a possibilidade de participação do público, em processo de interação imprescindível para que a obra se realize.

Folhas de papel que se abrem e se rearticulam são evocadas em esculturas de Amilcar de Castro; nos Bichos, de Lygia Clark; e, de maneira mais explícita, na poética trilogia Livro da criação, Livro da arquitetura e Livro do tempo, criados por Lygia Pape entre 1959 e 1961. Localizados no Rio de Janeiro, esses artistas, mais Oiticica e o escultor Franz Weissmann, além de Gullar e dos poetas Reinaldo Jardim e Theon Spanúdis, formaram o grupo neoconconcreto a partir da dissidência dos concretistas, sediados em São Paulo. Durante anos, Gullar silenciou sobre a influência que sua obra visual teria exercido sobre trabalhos plásticos dos outros neoconcretos.

A partir de 2004, em pequeno artigo na revista pernambucana Continente Multicultural, ele começou a detalhar a questão ao afirmar que sua obra poética mais corporal, Poema enterrado, deu origem a Cães de caça e, em especial, a Bólides, duas das mais relevantes construções de Hélio Oiticica.

Elaborado em 1959, Poema enterrado teve o projeto publicado no Suplemento Dominical do Jornal do Brasil. Depois, foi instalado por Gullar no quintal da família de Oiticica, no local onde seria a caixa de água. Em uma sala, somente uma pessoa por vez poderia manipulá-lo e usufruí-lo. Compunha-se de um cubo contendo outros cubos e, embaixo, como se pulsasse, aparecia a palavra Rejuvenesça.

Antes mesmo de ser apresentado ao público, o poema espacial terminou destroçado pela chuva. O caos impôs-se ao caráter construtivista da obra: cubos e palavra, antes bem organizados, passaram a boiar, restos que se tornaram. Mas, se, como quer Gullar, a idéia de caixas contendo elementos artísticos ganharia importante adesão, a experiência em observar a vida contrariando os sentidos de uma obra plástica também se mostraria fundamental para a definição de caminhos da arte contemporânea brasileira.

Em 1963, Oiticica criou Bólides, caixas cúbicas contendo restos de panos e terra, que recordam vísceras e sujeira e negou a estética de formas ideais. Bólides agregou contradições e questionamentos ao neoconcretismo – incoerências orgânicas – e confrontou o país com questões da contemporaneidade artística: entre elas estava a incorporação de resíduos à obra de arte.

Tudo indica que, nos últimos anos, Gullar decidiu detalhar conexões criativas mais íntimas entre os neoconcretos para evitar situações constrangedoras como o fato de Poema enterrado já ter sido considerado como sendo de autoria de Oiticica.

Até então, a participação do poeta enquanto criador plástico era subestimada em detrimento da função de formulador do manifesto assinado pelos neoconcretos.

O teórico preponderou em parte por que sua enxuta produção de poesia desse período não teve a mesma divulgação – por causa da dificuldade de reprodução desses livros de artista – daquela realizada a partir de 1962. Época em que se afastou do grupo neoconcreto. E reorientou sua produção de poemas para aquela que o catalão Joan Brossa chamava de “poesia literária”, ou discursiva, por se robustecer no vocábulo e nos seus desdobramentos semânticos.

Gullar avança na defesa de que a artesania de seus poemas visuais exerceu influência junto ao grupo ao declarar também que a série Bichos, de Lygia Clark, foi inspirada em Fruta. No livro-poema, feito de uma folha branca quadrada, mais outras cortadas em diagonal e articuláveis, ao abrir as páginas, que se desdobram como pétalas, o leitor descobre no cerne a palavra fruta.

Desde 1956, Lygia Clark propunha em textos a participação do espectador na obra, o que viria a ser uma inovação no Brasil. Em 1960, suas pesquisas a levaram a criar o primeiro exemplar da série Bichos, objetos tridimensionais feitos de múltiplas chapas de metal articuladas por dobradiças. Eles reivindicam a manipulação pelo público de maneira a dar-lhes forma. Comprometidos com o caráter construtivo, Bichos conjugam poesia e técnica em encaixes modulados, e dialogam com esculturas de Amilcar de Castro do final dos anos 50, feitas de dobras e cortes, mas não manipuláveis.

Em entrevistas, Gullar garante que, ao mostrar a fonte de inspiração de Bichos e Bólides, não quis dizer que é o “genial criador da arte neoconcreta”. No livro, ele apenas ressalva que entre os artistas havia troca permanente de idéias. Sim, nexos criativos sempre se estabelecem entre grupos de vanguarda artística. O único senão é o fato do poeta revelar esse transvase de influências e coincidências estéticas somente agora, tantos anos e textos depois, quando outros protagonistas já estão mortos, o que impede a ampliação de pontos de vista.

Se a leitura do livro-depoimento reforça a importância do poeta em seu momento de radicalidade-limite, ela não resolve algumas questões que terminam por provocar um pesar quanto à outra trajetória de Gullar: por que ele, que foi autor de análises estéticas densas, relegou a crítica sistemática de arte? Que rupturas o levaram a renegar signos de experimentação nesse universo que fluidamente se desdobra sobre o homem e o mundo? O testemunho teria se enriquecido caso tais questões tivessem sido atualizadas.

Experiência Neoconcreta: momento - limite da arte
Ferreira Gullar
CosacNaify.
Livro com encarte, 164 páginas, 20 ilustrações. R$ 68,00.




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