domingo, 15 de abril de 2007
Independência do Ciberespaço - John Perry Barlow
Governos do Mundo Industrial, gigantes aborrecidos de carne e aço, venho do espaço cibernético, o novo lar da Mente. Em nome do futuro, peço a vocês do passado que nos deixem em paz. Vocês não são benvindos entre nós. Vocês não têm a independência que nos une.
Os governos derivam seu poder do consenso dos governados. Vocês não solicitaram ou receberam o nosso. Não convidamos vocês. Vocês não vêm do espaço cibernético, o novo lar da Mente.
Não temos governos eleitos, nem é provável que tenhamos um, então me dirijo a vocês sem autoridade maior do que aquela com a qual a liberdade por si só sempre se manifesta.
Eu declaro o espaço social global, aquele que estamos construindo, naturalmente independente das tiranias que vocês tentam nos impor. Vocês não têm direito moral de nos impor regras, nem ao menos de possuir métodos de coação a que tenhamos real razão para temer.
Vocês não nos conhecem, muito menos conhecem nosso mundo. O espaço cibernético não se limita às suas fronteiras. Não pensem que vocês podem construi-lo, como se fosse um projeto de construção pública. Vocês não podem. Ele é um ato da natureza e cresce por si próprio, por meio de nossas ações coletivas.
Vocês não se engajaram em nossa grande e aglomerada conversa, e também não criaram a riqueza de nossa reunião de mercados. Vocês não conhecem nossa cultura, nossos códigos éticos ou falados que já proveram nossa sociedade com mais ordem do que se fosse obtido por meio de qualquer das suas imposições.
Vocês alegam que existem problemas entre nós que somente vocês podem solucionar.
Vocês usam essa alegação como desculpa para invadir nossos distritos. Muitos desses problemas não existem. Onde existirem conflitos reais, onde existirem erros, iremos identificá-los e resolvê-los por nossos próprios meios.
Estamos formando nosso próprio Contrato Social. Essa maneira de governar surgirá de acordo com as condições do nosso mundo, não do seu. Nosso mundo é diferente.
O espaço cibernético consiste em idéias, transações e relacionamentos próprios,como uma onda parada na rede das nossas comunicações.
O nosso é um mundo que está ao mesmo tempo em todos os lugares e em nenhum lugar, mas não é onde pessoas vivem.
Estamos criando um mundo em que todos poderão viver sem privilégios ou preconceitos de raça, poder econômico, força militar ou lugar de nascimento.
Estamos criando um mundo onde qualquer um, em qualquer lugar, poderá expressar suas opiniões, não importando quão singular seja, sem temer ser coagido ao silêncio ou à conformidade.
Seus conceitos legais sobre propriedade, expressão, identidade, movimento e contexto não se aplicam a nós. Eles são baseados na matéria. Não há nenhuma matéria aqui.
Nossas identidades não possuem corpos: então, diferentemente de vocês, não podemos obter ordem por meio da coerção física. Acreditamos que a partir da ética, interesse próprio de nossa comunidade, nossa maneira de governar surgirá. Nossas identidades poderão se espalhar por muitas de suas jurisdições.
A única lei que todas as nossas culturas constituídas reconhecerão é o Código Dourado. Esperamos ser capazes de construir nossas próprias soluções com base neste fundamento. Mas não podemos aceitar soluções que vocês estão tentando nos impor.
Nos Estados Unidos vocês estão criando uma lei, o Ato de Reforma das Telecomunicações, que repudia sua própria Constituição e insulta os sonhos de Jefferson, Washington, Mill, Madison, deTocqueville and Brandeis. Esses sonhos precisam nascer agora de novo dentro de nós.
Vocês estão apavorados com suas próprias crianças, já que elas nasceram num mundo onde vocês serão sempre imigrantes. Porque têm medo delas, vocês incumbem suas burocracias das responsabilidades paternais, já que são covardes demais para se confrontarem consigo mesmos.
Em nosso mundo, todos os sentimentos e expressões de humanidade, desde os mais humilhantes até os mais angelicais, são parte de um todo descosturado: a conversa global de bits. Não podemos separar o ar que sufoca daquele no qual as asas batem.
Na China, Alemanha, França, Rússia, Singapura, Itália e Estados Unidos, vocês estão tentando repelir o vírus da liberdade, erguendo postos de guarda nas fronteiras do espaço cibernético. Isso pode manter afastado o contágio por um curto espaço de tempo, mas não irá funcionar num mundo que brevemente será coberto pela mídia baseada em bits.
Sua indústria da informação cada vez mais obsoleta poderia perpetuar por meio de proposições de leis na América e em qualquer outro lugar. Essas leis defenderiam idéias que seriam outro tipo de produto, não mais nobre do que um porco de ferro. Em nosso mundo, qualquer coisa que a mente humana crie, pode ser reproduzida e distribuída infinitamente sem nenhum custo. O meio de transporte global do pensamento não mais exige suas fábricas para se consumar.
Essas medidas coloniais e hostis nos coloca na mesma posição daqueles antigos amantes da liberdade e auto- determinação que tiveram de rejeitar a autoridade dos poderes distantes e desinformados.
Precisamos nos declarar virtualmente imunes de sua soberania, mesmo se continuarmos a consentir suas regras sobre nós. Nos espalharemos pelo mundo para que ninguém consiga aprisionar nossos pensamentos.
Criaremos a civilização da Mente no espaço cibernético. Ela poderá ser mais humana e justa do que o mundo que vocês governantes fizeram antes.
Davos, Suíça 8 de fevereiro de 1996
John Perry Barlow é um fazendeiro aposentado, lírico do Grateful Dead e co-fundador da Fundação da Fronteira Eletrônica.
Copyright é novo imperialismo, diz guru da web
Daniel Bramatti
Escrever que alguém tem uma personalidade multifacetada é um daqueles clichês do qual todo jornalista deveria fugir, como dizer que o país X é "uma terra de contrastes" ou que o lugar Y virou "uma praça de guerra". Mas é quase impossível não recorrer ao chavão em se tratando de John Perry Barlow - fazendeiro, poeta, roqueiro e, principalmente, ativista pela liberdade na internet.
Criador de gado no Estado do Wiomyng - lugar nada identificado com a revolução tecnológica, espécie de Goiás dos EUA -, Barlow foi um dos primeiros a exaltar o potencial libertário da internet e ajudou a popularizar o termo "cyberspace", ao publicar, há onze anos, sua famosa "Declaração de Independência do Ciberespaço". Por conta desse manifesto, no qual afirma que os governos não têm e não devem ter soberania sobre a Internet, chegou a ser chamado de "Thomas Jefferson do mundo virtual".
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Coordenador da primeira campanha a deputado de Dick Cheney -o atual vice-presidente dos EUA, expoente do movimento neoconservador-, Barlow é hoje um militante do Partido Democrata e um crítico ácido da gestão Bush.
Estudioso de religião comparada, ele também se notabilizou como letrista de sucessos da dinossáurica banda Grateful Dead, e hoje colabora com grupos menos famosos, como The String Cheese Incident.
Não menos importante é seu papel na Electronic Frontier Foundation, ONG que fundou e que foi pioneira na luta contra as tentativas de governos e empresas de controlar o conteúdo na rede. É, obviamente, um entusiasta dos softwares livres. Apesar de não ser banqueiro, foi considerado uma das 25 pessoas mais influentes do setor de serviços financeiros pela revista "FutureBanker".
Convidado pelo ministro da Cultura, Gilberto Gil, Barlow está no Brasil para participar do Seminário Internacional sobre Diversidade Cultural, cujos debates se estendem até amanhã, em Brasília.
Em entrevista exclusiva a Terra Magazine, por e-mail, ele afirmou que a indústria do entretenimento ameaça a liberdade na internet, e que a imposição de patentes e de leis de copyright é uma nova forma de imperialismo. Afirmou ainda que trabalha com Gil para colocar "toda a música brasileira" à disposição dos internautas. Leia a seguir trechos da entrevista:
Terra Magazine - Na sua famosa Declaração de Independência do Ciberespaço, o senhor afirma que governos não devem interferir na Internet. Desde que o manifesto foi publicado, houve uma série de tentativas de censura e regulação. Quem está vencendo essa batalha?
John Perry Barlow - Obviamente pessoas razoáveis podem discordar disso, mas não acho que tenha acontecido nada desde 1996 que fundamentalmente questione minha convicção de que o Ciberespaço é inerentemente anti-soberano. Se alguém está determinado a colocar online algo que é considerado ofensivo por autoridades locais, pode encontrar algum servidor em outro lugar que eles não podem tocar. E filtragens são apenas modestamente efetivas.
E o papel das grandes corporações. Elas, ou algumas delas, são uma ameaça à liberdade na web?
A indústria de entretenimento tem sido uma ameaça significativa, mas eles estão claramente perdendo a guerra. O pior que eles conseguiram fazer é implementar o sistema "Trusted Computing" nos novos chips Intel e no Windows Vista, mas há maneiras de driblar isso.
No ensaio "A Economia das Idéias", o senhor afirma que o conceito de propriedade no mundo físico não se aplica ao mundo digital. O que o senhor pensa das tentativas de punir "piratas" que "roubam" arquivos de música ou de filmes?
Piratas são pessoas malvadas que atacam embarcações no alto mar, matam todos a bordo e roubam tudo o que tiver valor. Não são pessoas que encorajam outros a ouvir as mesmas músicas de que eles gostam. Além disso, não vejo como alguma coisa possa ser roubada se ainda a tenho. Propriedade é algo que pode ser tirado de alguém.
Os esquemas de DRM (Digital Rights Management) estão fadados ao fracasso?
Sim.
Quais são as vitórias mais importantes da Electronic Frontier Foundation no campo da propriedade intelectual?
É uma lista longa, mas o principal foi mudar a consciência do público sobre a natureza da questão.
O senhor poderia descrever sua participação em encontros do Fórum Social Mundial?
Acho que fui bastante eficiente ao demonstar que a imposição agressiva de copyright e de patentes é apenas a mais recente forma de imperialismo, uma tentativa do canto noroeste do planeta de regular o pensamento humano.
O site da EFF informa que o senhor está trabalhando com o ministro Gil "em um esforço para colocar toda a música do Brasil online". É mesmo toda a música brasileira? E como ficam as restrições de copyright?
Quis mesmo dizer toda a música brasileira, inclusive a grande porcentagem que é mantida como refém por empresas dos Estados Unidos. A música é o código genético do Brasil. Ninguém deveria ter o direito de tomá-la dos brasileiros.
Como o senhor vê a explosão dos chamados sites de mídia social?
Eu dizia já em 1995 que o mais importante da internet é a comunidade e a conversação, não o conteúdo. Eu sabia que isso ia acontecer. Só quero que eles fiquem melhores.
O que mais o surpreendeu na web recentemente?
A Wikipedia. Sou um otimista, mas o sucesso deste experimento me deixou maravilhado.
Vendendo Vinho Sem Garrafas.
A lei da propriedade intelectual não pode ser emendada, retroadaptada ou expandida para conter os gases da expressão digitalizada, como se pudéssemos adaptar a lei que rege a propriedade de terras e bens imóveis aos problemas da alocação do espectro de ondas do rádio (Que parece ser o que está sendo feito!). Temos que desenvolver um conjunto de regras inteiramente novo para esse inteiramente novo conjunto de circunstâncias.
“Se a natureza fez alguma coisa menos suscetível que outras de tornar-se propriedade exclusiva, é a ação do poder pensante chamado “uma idéia” que um indivíduo pode possuir com exclusividade, enquanto a mantiver para si próprio; desde que essa idéia é divulgada, ela se torna posse de todos, e o receptor não pode despossuir-se dela.
É característica peculiar dessa idéia, também, que ninguém a possui em parte porque qualquer outro a possui no todo. Aquele que recebe de mim uma idéia tem aumentada a sua instrução sem que eu tenha diminuída a minha. Como aquele que acende sua vela na minha recebe luz sem apagar a minha. Que as idéias passem livremente de uns aos outros no planeta, para a instrução moral e mútua dos homens e a melhoria de sua condição, parece ter sido algo peculiar e benevolentemente desenhado pela natureza ao criá-las, como o fogo, expansível no espaço, sem diminuir sua densidade em nenhum ponto. Como o ar que respiramos, movem-se incapazes de serem confinadas ou apropriadas com exclusividade. Invenções, portanto, não podem, na natureza, ser sujeitas à propriedade.” (Thomas Jefferson)
Se a nossa propriedade pode ser infinitamente reproduzida e instantaneamente distribuída em todo o planeta, sem custo, sem nosso conhecimento, sem mesmo deixar de ser nossa, como vamos protegê-la? Como vamos ser pagos pelo trabalho que fazemos com nossas mentes? E, se não podemos ser pagos, o que garante a continuação da criação e a distribuição de tal trabalho?
Desde que nós não tenhamos uma solução para o que é um tipo de desafio profundamente novo e estejamos aparentemente incapacitados a impedir a galopante digitalização de tudo que não seja obstinadamente físico, nós estaremos navegando para o futuro num navio que afunda.
Este navio, a lei do copyright e das patentes, foi desenvolvido para lidar com formas e meios de expressão inteiramente diferentes da carga vaporosa que ele agora tem que transportar. Está fazendo água tanto de dentro como de fora. Os esforços para manter o velho navio flutuando são de três tipos: uma frenética rearrumação das cadeiras no convés, um aviso aos passageiros de que se afundarem serão penalmente processados, ou um simples e sereno ignorar o que se passa.
A lei da propriedade intelectual não pode ser emendada, retroadaptada ou expandida para conter os gazes da expressão digitalizada, como se pudéssemos adaptar a lei que rege a propriedade de terras e bens imóveis aos problemas da alocação do espectro de ondas do rádio (Que parece ser o que está sendo feito!). Temos que desenvolver um conjunto de regras inteiramente novo para esse inteiramente novo conjunto de circunstâncias.
A maioria daqueles que hoje criam propriedade intelectual - os programadores, hackers, os navegadores da net - já sabem disso. Infelizmente, nem as companhias para as quais eles trabalham nem os adovogados dessas companhias têm experiência direta suficiente com bens imateriais para entender, porque eles são tão problemáticos. Eles agem como se as velhas leis pudessem funcionar, seja por uma expansão grotesca, ou pela força. Estão errados.
A fonte deste problema complexo é tão simples quanto a sua solução é complexa. A tecnologia digital está deslocando a informação do seu plano físico, onde as leis de propriedade de toda sorte sempre encontraram sua definição. Através da história do copyright e das patentes, a garantia da propriedade aos pensadores sempre se baseou não nas suas idéias mas na expressão dessas idéias. As idéias propriamente, bem como os fatos acerca dos fenômenos do mundo, foram considerados como propriedade coletiva da humanidade. Alguém poderia reivindicar franquia, no caso do copyright, para algum específico fraseado usado para transmitir uma particular idéia ou uma determinada ordem em que os fatos eram apresentados.
O ponto no qual essa franquia era imposta era o momento em que “o verbo se fazia carne”, partindo da mente do originador e penetrando algum objeto físico como um livro ou um aparelho. A chegada subseqüente de outros meios comerciais além dos livros não alterou a importância legal desse momento. A lei protegia a expressão e, com raras e recentes exceções, expressar era tornar físico. Proteger a expressão física tinha a força da conveniência a seu favor. O copyright funcionava bem porque era difícil fazer um livro. Ademais, livros congelavam seus conteúdos em condições tão difíceis de alterar quanto de reproduzir. Copiar ou distribuir volumes copiados eram atividades óbvias e visíveis, fáceis de serem detectadas. Finalmente, diferentemente de palavras ou imagens não incorporadas, livros tinham superfícies materiais sobre as quais se imprimia notas de copyright, marcas de editoras ou etiquetas de preço.
A conversão do mental em físico era ainda mais central para as patentes. Uma patente, até recentemente, era, ou a descrição da forma pela qual os materiais eram postos a serviço de uma determinada finalidade ou a descrição do processo pelo qual isso ocorria. Em ambos os casos, o coração conceitual da patente era o resultado material. Se nenhum objeto com um propósito pudesse resultar, devido a alguma limitação material, a patente era rejeitada. Nem uma garrafa de Klein ou uma pá feita de seda poderiam ser patenteadas. Tinha que ser uma coisa e a coisa tinha que funcionar.
Assim, os direitos de invenção e autoria ligavam-se a atividades no mundo físico. Alguém era pago, não pelas idéias, mas pela habilidade de torná-las reais. Para todos os propósitos práticos, o valor estava no veículo e não no pensamento veiculado. Em outras palavras: a “garrafa” era protegida, não o vinho.
Agora, quando a informação entra no cyberespaço, o lar nativo da mente, essas “garrafas” estão esvanecendo com o advento da digitalização. Agora é possível substituir todas as formas anteriores de acondicionamento da informação por uma meta-garrafa: complexos padrões de “uns” e “zeros” altamente líquidos.
Mesmo as “garrafas” físicas/digitais às quais nos habituamos - disquetes e outros discretos pacotes de bits comerciáveis - desaparecerão quando a maior parte dos computadores conectarem-se na rede global. A internet jamais incluirá todos os computadores do planeta, ainda que esteja duplicando a cada ano e possa vir a se tornar o principal meio de veiculação da informação e, eventualmente, o único.
Uma vez isso ocorrido, todos os bens da idade da informação, todas as expressões outrora contidas em livros, filmes, discos ou escritos existirão como pensamento puro ou como algo muito parecido com pensamento puro: ao redor da rede, à velocidade da luz, em condições de alguém acessá-los como pontos cintilantes do ecram ou sons transmitidos, mas sem nunca tocá-los ou possuí-los no velho sentido da palavra.
Alguns podem argumentar que a informação requererá sempre alguma manifestação física, tal como a sua existência magnética no disco de titânio dos servidores distantes, mas essas são garrafas que não têm nenhuma forma microscopicamente discreta ou pessoalmente significativa.
Alguns irão também argumentar que nós já lidamos com expressões não engarrafadas desde o advento do rádio, e eles estariam certos. Mas para a maior parte da história do rádio não havia maneira conveniente de capturar derivados do éter eletromagnético e reproduzi-los em algo da mesma qualidade encontrada em pacotes comerciais. Só recentemente isto mudou e pouco vem sendo feito para enfrentar essa mudança.
Geralmente a questão do pagamento de produtos radiofônicos pelo consumidor era irrelevante. Os consumidores, eles mesmos, eram o produto. O meio radiofônico era sustentado ou pela venda da atenção da audiência aos anunciantes, ou fazendo o governo pagar taxas pelo acesso ao rádio, ou pela mendicância de doadores anuais.
Todos os modelos de sustentação do rádio, sustentação seja dos anunciantes, seja do governo, quase que invariavelmente mancham a pureza dos bens ofertados. Além disso, o marketing direto vem gradualmente matando o modelo do suporte pela propaganda.
O rádio deu-nos um outro tipo de método de pagamento pelo produto virtual na forma de royalties que são pagos aos autores através de organizações como ASCAP ou BMI. Como sócio da ASCAP posso assegurar que este não é um modelo que possamos recomendar. Os métodos de monitoração são rudementarmente aproximados. Não há nenhum sistema de contabilidade paralela para fiscalizar. Para ser honesto, realmente não funciona.
Em todo caso, sem nossos velhos métodos de definição física da expressão de idéias, e na ausência de novos modelos bem-sucedidos para transações não físicas, nós simplesmente não sabemos como assegurar pagamento justo para trabalhos mentais. Para piorar a situação, isso vem no momento em que a mente humana substitui a luz solar e os depósitos minerais como principal fonte de riqueza. Além disso, a dificuldade crescente de fazer respeitar as leis do copyright e de patentes está, em última análise, colocando em risco a fonte por excelência da propriedade intelectual: a livre troca de idéias.
Quer dizer, quando os artigos primários do comércio, numa sociedade, se assemelham tanto ao discurso a ponto de se tornarem indistinguíveis deste, e quando os métodos de proteção à sua propriedade se tornam inefetivos, tentativas de resolver o problema com legislação mais ampla e mais vigorosa ameaçarão, inevitavelmente, a liberdade de expressão.
O maior constrangimento às nossas futuras liberdades pode vir não do governo, mas de departamentos legais das corporações, trabalhando para proteger, pela força, o que já não pode ser protegido pela eficiência prática ou pelo consentimento social geral.
Além disso, quando Jefferson e os seus colegas iluministas desenharam o sistema que veio a se tornar a lei americana do copyright, seu objetivo primário era assegurar a vasta distribuição do pensamento, não do lucro.
O lucro era o combustível que iria carrear idéias para as livrarias e as mentes da sua nova república. As livrarias comprariam livros, premiando, assim, os autores pelo seu trabalho de montagem das idéias que, de outro modo, “incapazes de confinamento”, estariam então livremente acessíveis ao público.
Mas qual é o papel das livrarias na ausência de livros? Como a sociedade paga agora pela distribuição de idéias se não cobrando pelas próprias idéias?
Complicação adicional está no fato de, junto com as garrafas físicas em que a propriedade intelectual tem residido, a tecnologia digital estar também apagando a jurisdição legal do mundo físico, substituindo-a pelos mares sem fronteiras e, talvez, permanentemente sem lei do cyberespaço.
No cyberespaço, não só não há fronteiras locais ou nacionais para conter a cena de um crime e determinar o método de sua acusação, como não há acordos culturais claros sobre o que é crime. Diferenças básicas e não resolvidas entre concepções européias e asiáticas sobre propriedade intelectual só se exarcebarão numa área em que muitas transações têm lugar em ambos os hemisférios e ainda assim, de alguma forma, em nenhum.
Mesmo na mais local das condições digitais, jurisdição e responsabilidade são difíceis de definir. Um grupo de editores musicais acionaram a Compuserve, neste outono, por ter permitido seus usuários transmitir composições musicais para áreas onde outros usuários poderiam obtê-las. Como, porém, a Compuserve não pode, praticamente, exercer maior controle sobre o fluxo de bits que passa entre seus assinantes, não poderia, provavelmente, ser responsabilizada por estar ilegalmente editando essas canções.
Noções de propriedade, valor, posse e mesmo a natureza da riqueza em si estão mudando fundamentalmente, mais do que em qualquer outra época, desde que os Sumérios estamparam a escrita cuneiforme e chamaram-na de “grãos estocados”. Pouca gente está ciente da enormidade dessa mudança e menos ainda os advogados e funcionários públicos.
Aqueles que percebem essas mudanças devem preparar respostas para a confusão legal e social que surgirá dos esforços para proteger novas formas de propriedade, com os velhos métodos se tornando mais obviamente fúteis e conseqüentemente mais duros.
O artigo acima corresponde ao capítulo “Selling Wine Without Bottles on the Global Net“, que é parte de um texto maior: “The Economy of Ideas”
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